Bruno Salomão – Foto por: Fernando Futenma
Bruno Salomão
Bruno Salomão – Foto por: Fernando Futenma

“Churrasco é a base mais ancestral da sociedade”, diz Bruno Salomão

Para chef Bruno Salomão, criador do "Cansei de ser Chef", o churrasco une culturas. E, no Brasil, a busca por carne de qualidade mudou tudo.

Redação

em 5 de setembro de 2022


Há quase 1,8 milhão de anos, o “homo erectus”, espécie anterior ao homo sapiens, passou a assar carne no fogo. E isso mudou a história da humanidade. Em volta do fogo, o ser humano aprendeu a conviver em comunidade, a partilhar com os semelhantes e a ficar ainda mais forte perante os perigos externos. E o que isso tem a ver com a alimentação do futuro? Para o chef Bruno Salomão, criador do canal Cansei de ser Chef, tem tudo. 

“O churrasco é a nossa base mais ancestral de sociedade. A nossa natureza é compartilhar a comida, é se integrar com os outros. É tão natural quanto voar para um pássaro, e ninguém ensina um pássaro a voar”, comenta o chef, especialista em carnes. Para ele, isso significa que o churrasco estará sempre presente na nossa sociedade, mas sempre feito da mesma maneira, obviamente. 

A entrada do churrasco texano no Brasil, as discussões sobre a carne premium, bem como a mudança da própria visão do brasileiro sobre o que significa assar uma carne, são prova disso. Assim como o aumento do acesso às redes sociais e a popularidade dos realitys shows de culinária, que têm influenciado o que chega no prato do brasileiro nos últimos dez anos. “A cozinha é um laboratório avançado de química, matemática, história, antropologia e sociologia”, comenta o chef.

A busca pela carne perfeita

Bruno Salomão

Para Salomão, o que mudou o prato brasileiro nos últimos dez anos foi, sem dúvida, o aumento de qualidade das carnes oferecidas no mercado. E essa qualidade é conectada infimamente com o bem-estar dos animais e com a produção mais eficiente do agronegócio.

“Antes se falava sobre a carne de primeira, a de segunda, a de terceira. Hoje compreendemos que isso não existe. O que existe é o animal de primeira, o animal de segunda… A qualidade da carne é de acordo com a criação dele, e nós vamos ver cada vez mais o mercado exigindo que a qualidade e o bem-estar do animal sejam excelentes, para honrar o alimento”, diz o chef.

Isso significa que, no lugar de se usar apenas os cortes “clássicos”, como fraldinha, picanha, maminha, costela e contrafilé, os pratos brasileiros ganharam mais variedade. “São quase 200 cortes. Podemos utilizar todas as partes do animal. Houve uma compreensão do uso da carne e da qualidade, o que deu para as pessoas a oportunidade de entenderem que um animal não é só um corte”, aponta Salomão

o chef resume que “a carne é viva o suficiente para refletir a vida que o animal teve. Se ele teve uma vida boa, se consumiu pasto bom, se foi manuseado corretamente e se foi abatido corretamente, a carne mostra”. “Coisas que não são felizes vivas, não são felizes mortas. A carne não leva desaforo para casa”, salienta. 

Mas todos esses pontos só podem ser observados porque o brasileiro passou a entender mais sobre como encontrar a carne de qualidade. Salomão indica que o movimento de YouTubers, como o seu próprio, no canal Cansei de ser Chef, contribuiu para o aprendizado geral das pessoas sobre gastronomia. Ao entender sobre a alquimia que é fazer um churrasco, diz Salomão, o público ganhou “liberdade” para “escolher uma carne de qualidade, observando a cor, olfato, quantidade de líquido no pacote, se tem capa de gordura dura, ou se tem muitas fibras”, aponta o chef. 

Salomão conta que mais e mais pessoas entre os 5 milhões que o seguem em todos os seus canais passaram a falar sobre comprar carnes diferentes. Também falam sobre escolher carnes “mais premium”. “A carne boa vira um presente que a pessoa se dá. A relação mudou”, lembra Bruno. 

A matéria-prima de maior qualidade também trouxe mudanças para um dos pratos mais populares do Brasil: o churrasco. “Existia um vício do churrasco brasileiro, que era basicamente grelhar picanha. Com a melhoria genética do gado, a gente pode passar a usar cortes diferentes, como os americanos. Pudemos reaprender a trabalhar com a carne”, comentou Bruno Salomão.

Brasil e Texas em um churrasco

Bruno Salomão

Com a carne de mais qualidade, abriu a porta – ou melhor, a churrasqueira – dos brasileiros para o estilo de se assar e defumar carnes dos americanos. O famoso churrasco texano chegou ao Brasil com certa desconfiança, conta Salomão, que exalta o fato de o seu canal, Cansei de ser Chef, ter sido um dos pioneiros no assunto.

“Como é que chego para um brasileiro, que tem uma cultura de só usar sal na carne, e dizer que ele pode usar açúcar, cominho, páprica, alecrim… Não foi fácil o público compreender. Elas ficavam escandalizadas com algumas misturas de ingredientes”, comenta Salomão. Para ele, a “integração” veio não só por meio da carne, mas também quando começaram a unir sabores “brasileiros” com a técnica de defumação do churrasco texano. 

Aceitar a defumação também é uma volta a outra ancestralidade nacional, que é a prática dos povos originários das Américas. Salomão conta que a defumação “já existe na realidade das Américas desde o início”, mas que foi afastada da sociedade acompanhando o processo de colonização europeia. “Aprendemos a ter vergonha das nossas origens indígenas, mas isso está mudando”, diz o chef.

A cultura de defumação do churrasco norte-americano, principalmente do texano, vem dessas mesmas raízes. Por estarem acostumados a lidar com carnes de caça, ou seja, mais duras, os indígenas americanos entenderam ser necessário passar mais tempo cozinhando a carne num ambiente de temperatura controlada. 

“Enquanto a gente quer que a carne fique pronta em 5 minutos, por lá, eles demoram 12 horas para deixar a carne no ponto certo para comer”, compara. Mas isso está mudando, e cada vez mais os brasileiros estão aceitando que churrasco também é lugar de comer muito bem (e não apenas de se divertir e encontrar os amigos).  

Prato do Amanhã, versão Bruno Salomão

Foto por: Fernando Futenma

Para Salomão, a tendência de procurar por carnes de mais qualidade e de procurar pela maneira com que o animal foi tratado veio para ficar. “Acho também que vamos cada vez mais nos alimentar com outros alimentos, além do animal. A cozinha vegetariana e vegana veio para ficar”, diz o chef.

O investimento no agronegócio, avalia ele, vai unir tecnologia e cozinha. “Acredito que teremos acesso a uma qualidade maior de alimentação em todos os sentidos. Eu acredito que, no futuro, teremos comidas melhores e mais frescas”, projeta Bruno Salomão.