Marfrig usa tecnologia da NASA para medir carbono no solo
A plataforma de IA da Agrorobótica, “AGLIBS”, viabiliza uma produção mais sustentável para os produtores e até a participação no mercado de carbono
O Programa Marfrig Verde+ encontrou na green fintech Agrorobótica uma maneira de honrar o compromisso de constituir uma pecuária de baixo carbono, mais produtiva e inclusiva até 2030. Para isso, a empresa conta com a plataforma de inteligência artificial desenvolvida pela Embrapa e Agrorobótica a partir da tecnologia utilizada pela NASA para estudos do solo em Marte, a AGLIBS. O fundador e CEO da Agrorobótica, Fábio Angelis, explicou que a estratégia da empresa com a ferramenta é voltada para o manejo da fertilidade do solo, nutrição das plantas e geração e comercialização de carbono na agricultura.
Em entrevista ao Prato do Amanhã, Angelis falou sobre a história da Agrorobótica, detalhou a metodologia aplicada, explicou a parceria com a Marfrig e apresentou os pontos positivos e os desafios oriundos da implementação da AGLIBS. O executivo revelou acreditar, ainda, que a plataforma, no futuro, possa operar como um ChatGPT da fazenda. Confira a entrevista na íntegra.
Poderia começar resgatando a história da Agrorobótica e o caminho percorrido até chegar ao desenvolvimento da AGLIBS?

Claro. A Agrorobótica é uma green fintech, fundada em 2015, que trabalha com a mudança climática e a segurança alimentar, com foco em produtividade e sustentabilidade agrícola. Além disso, ela também atua com a monetização de crédito carbono e agregação de valor nas commodities carbono negativo.
Apesar de ser uma empresa nova, a nossa história começou em 2005, quando a pesquisadora da Embrapa Instrumentação, Débora Milori, decidiu trabalhar com Pesquisa & Desenvolvimento na tecnologia Espectroscopia de Emissão Óptica com Plasma Induzido por Laser (Libs, na sigla em inglês), com o intuito de utilizá-la nos solos da agricultura. Essa tecnologia, inclusive, é a mesma que a NASA utiliza no Rover Curiosity, robô enviado para fazer a análise do solo de Marte.
Em 2015, a Agrorobótica firmou um convênio de cooperação técnica com a Embrapa e contratou Aida Magalhães como sócia e CTO, para liderar o time de P&D no desenvolvimento da tecnologia AGLIBS, abrangendo hardware e software. O objetivo era viabilizar uma estratégia de serviços inovadores para o mercado brasileiro, impulsionando o crescimento da empresa. Esse trabalho culminou, em 2023, na transformação da tecnologia AGLIBS na Plataforma de IA AGLIBS.
Quais são as diretrizes que regem a empresa?
Nós trabalhamos com base no solo, para promover a segurança alimentar e mitigar a mudança climática. Lembrando que 60% da produtividade agrícola está relacionada à nutrição de plantas e nossa tecnologia digitaliza os nutrientes do solo que a planta consome.
No que diz respeito ao sequestro de carbono no solo, quando você olha o planeta Terra, um metro de profundidade tem três vezes mais carbono estocado do que toda a vegetação do planeta ou toda a atmosfera. Então, o solo é o grande sumidouro de carbono e o agro, com a agricultura regenerativa, é quem sequestra esse carbono.
Com a nossa tecnologia, nós conseguimos medir e pagar os agricultores dos 18 estados em que estamos presentes, com uma cobertura de 800 mil hectares. A expectativa é que possamos expandir a atuação para a América do Sul nos próximos três anos.
O processo é dividido em quantas etapas?

Ao todo, são seis etapas. Inicialmente, nós vamos à fazenda fazer a coleta de solo (1- coleta de dados), a análise do solo (2- processamento), a recomendação agronômica (3- agronomia), o inventário de gases de efeito estufa na fazenda (4- pegada de carbono), audita esses créditos de carbono na Verra – referência em certificação de crédito de carbono- (5- auditoria) e vende no mercado voluntário internacional (mercado). Para conhecimento, a análise de carbono é feita a cada quatro anos e a de fertilidade do solo, anualmente.
Poderia detalhar um pouco mais sobre como a IA entra nesse processo de análise?

Bom, tudo que fazemos gera dados. Para fazer um programa de carbono, geramos mais de 1.500 dados. Toda essa quantidade de informações é trabalhada dentro de modelos para chegar a análises de como é a predição de carbono no solo, como estão as emissões, como a recomendação agronômica afeta essa dinâmica, como a quantidade de gado afeta as emissões de metano… então, todos os dados são cruzados. Tudo resulta em uma grande quantidade de informações, e a inteligência artificial vem para organizá-los, além, é claro, de contribuir para a inteligência nas análises.
Para deixar ainda mais claro, um exemplo: quando vamos escolher os pontos de coleta do solo, nós temos que gerar uma inteligência para fazer toda a zona de manejo alocar esse ponto, porque a nossa equipe de coleta vai lá depois para buscar amostras desse solo. E esse ponto, que tem uma latitude e uma longitude definida, é válido ao longo de 20 anos, ele não muda. Então, a gente precisa ter uma inteligência atribuída para distribuir esses pontos geográficos. Trabalhamos fortemente nesse sentido, bem como na inteligência de dados agronômicos, para essa recomendação agronômica mais assertiva.
Qual a importância da Verra no negócio?
A aprovação da nossa tecnologia na Verra foi uma vitória, para nós quanto para o Brasil. Ela é a principal certificadora de carbono do mercado voluntário internacional e fica sediada em Washington DC, nos EUA. E eu digo vitória porque há uma grande dificuldade, por parte dos programas de carbono no solo no mundo, em como fazer o MRV (mensuração, reporte e verificação de carbono no solo). Quando a nossa tecnologia foi aprovada, ela rompeu essa barreira e se tornou válida globalmente.
Além disso, o mercado voluntário internacional de crédito carbono gira em torno de US$ 2 bilhões. Deste mercado, 70% seguem as metodologias da Verra. Então, é importante estarmos alinhados à ela, pois é o crédito carbono com a maior liquidez do mercado e com melhor compliance.
Como surgiu a parceria com a Marfrig?
Essa parceria nasceu da necessidade. Quando você olha o cenário brasileiro, nós temos, se eu não me engano, 50 milhões de hectares de pasto degradados, dos quase 135 milhões de hectares totais. Degradado no sentido de estar com estoque de carbono baixo. Para mudar essa realidade, o agricultor adota algumas estratégias de manejo para aumentar a produtividade.
Então, a parceria com a Marfrig nasceu para inserir esse agricultor, que está melhorando o seu pasto, em uma oportunidade para melhorar a sua qualidade e, também, sua produtividade de carne por hectare. E, além dele receber pelo produto, receber pelo carbono também.
E como está essa parceria atualmente?
Nós temos um projeto-piloto em duas grandes fazendas do Mato Grosso, que fornecem gado à Marfrig. É um projeto que foi implementado no ano passado, sendo que geralmente o prazo para começar a gerar os créditos de carbono é de três a quatro anos. Nessa fase inicial, estamos inserindo as práticas de agricultura regenerativa nessas fazendas, para que depois possamos certificá-las e gerar os créditos de carbono.
Detalhando um pouco mais: nós medimos o estoque de carbono no solo nessas fazendas, e agora estamos melhorando as pastagens para aumentar o estoque de carbono. Também estamos trabalhando com o manejo do animal, o que se traduz em uma melhora nas pastagens, piquetes e assim por diante.
O agricultor consegue acompanhar os resultados?
Sim, por meio da nossa plataforma. Lá ele consegue acessar e visualizar tudo o que está acontecendo, principalmente os mapas: mapas de estoque de carbono, mapas de fertilidade, mapas de recomendação agronômica… é o que o agricultor usa mesmo no dia a dia. Eles recebem insights na forma de recomendação agronômica. Para corretivos e fertilizantes, por exemplo, é passado o que ele precisa comprar para melhorar a nutrição de plantas. Já para o manejo sustentável de carbono, é dito o que ele tem que fazer como adicionalidade, o que tem que colocar em prática de agricultura regenerativa para poder gerar crédito de carbono naquele talhão da fazenda.
Como avalia esse movimento das empresas?
Enxergo como uma parceria extremamente estratégica, seja da Agrorobótica com a Marfrig, seja da Marfrig com o pecuarista, porque mostra a preocupação da empresa em gerar uma carne carbono neutro ou até mesmo uma carne carbono negativa. Outro ponto é que mostra para o mundo que o nosso gado não está emitindo metano, que é uma preocupação global. A gente consegue comprovar que, muitas vezes, o pecuarista está gerando crédito de carbono e tem uma produção extremamente sustentável. Então, isso é muito estratégico para a reputação do Brasil, da Marfrig e do produtor.
Ainda sob o ponto de vista estratégico, acredito que o papel da Agrorobótica é inserir o Brasil no mercado voluntário internacional de carbono no solo, que é um mercado novo para o país. Somado a isso, é importante transformar o Brasil em um líder desse mercado, com o apoio da nossa tecnologia, desenvolvida junto à Embrapa. Esse é o nosso papel. Já em relação à nossa parceria com a Marfrig, visamos levar nosso produto/serviço para os pecuaristas na maior escala e no menor tempo possível. Ao implementar esses programas lá dentro, podemos remunerar o agricultor por práticas de manejo sustentável de pastagem.
Quais são os principais desafios?
Hoje, para você colocar um programa de carbono, em nível nacional, é o prazo. Por se tratar de um projeto de 20 anos, de longo prazo, muitas vezes, o agricultor demora a entender e embarcar. Ele até entende que vai se beneficiar, só que é um processo que demora, que leva de três a quatro anos para gerar crédito de carbono. E não tem o que fazer, já que esse é o tempo que demora para aumentar os níveis de carbono no solo, é biológico. Mas é uma dificuldade do mercado.
O que pode ser feito para superá-los?
Nós trabalhamos com dados científicos, sempre. Ou seja, comprovamos o que falamos acerca do manejo da fertilidade do solo e nutrição de plantas, por meio de dados científicos da Embrapa.
Para fechar, temos visto desenvolvimento de tecnologias de IA e machine learning escalar nos últimos anos. Levando isso em consideração, como enxerga o futuro da plataforma AGLIBS?
Eu a vejo, no futuro, como um ChatGPT dentro da fazenda. Nesse caso, a base de dados é preenchida com dados locais. Além disso, temos um roadmap de um produto de inteligência artificial, mas só para os próximos três anos, não é para agora.