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Summit Agro 2023 discute desafios para exportações brasileiras

Novas legislações impõem restrições a produtos oriundos de áreas desmatadas; a rastreabilidade é essencial para que o Brasil não seja visto como um país com grau de risco

Redação

em 10 de novembro de 2023


Como se adequar para enfrentar a nova Revolução Verde foi a principal temática do Summit Agro 2023, promovido pelo Jornal O Estado de São Paulo, no último dia 8 de novembro, em São Paulo. Diante da adoção global cada vez maior de legislações que estimulam investimentos sustentáveis, o Brasil tem como desafio se adequar a esta nova realidade, de forma a acompanhar o que acontece nas principais economias do mundo.

Um desses exemplos é o pacto verde europeu, que tem, entre suas premissas, a proteção ao meio ambiente, a produção sustentável de alimentos e a descarbonização total até 2050. Para Damian Vicente Lluna Taberner, conselheiro para Assuntos Comerciais e de Agricultura da Delegação da União Europeia (UE) no Brasil, como a Europa não possui uma matriz energética tão limpa quanto a brasileira, foi preciso maior rigor em algumas medidas, principalmente voltadas para a indústria, o transporte e a emissões.

Segundo ele, o pacto verde não está restrito à agropecuária, embora este seja um dos elementos mais importantes. A ideia fundamental de criar uma estratégia Farm to Fork (do prato ao garfo) é ter um sistema alimentar que garanta sustentabilidade econômica, social e ambiental.

Para o agro brasileiro, dentre as legislações que estão impactando o mercado, está a aprovação pela UE de uma lei que exige a verificação de que commodities como soja e carnes não tenham sido produzidas em terras desmatadas após 2020. A legislação é bem mais rigorosa que a brasileira, à medida que impede não apenas o que é produzido em áreas de desmatamento ilegal, mas também naquelas onde o desflorestamento é realizado de forma legal, como prevê, por exemplo, o Código Florestal brasileiro.

Para André Lima, secretário extraordinário de Controle do Desmatamento e Ordenamento Ambiental Territorial do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, a lei foi aprovada e traz impactos tanto do ponto de vista comercial, quanto ambiental e gerencial. Na opinião dele, a questão precisa ser mediada na busca de uma solução que atenda aos dois lados.

Debate necessário

Embora a lei tenha os mesmos objetivos do governo atual, de zerar o desmatamento, meta que o Brasil pretende atingir até 2030, ele afirma que isso precisa ser feito de forma negociada, de maneira que atenda e reconheça a própria soberania do Brasil em exercer o monitoramento desse desmatamento.

“Temos uma legislação que não pretendemos mudar. Não é uma resposta sim ou não. É um debate, um diálogo que precisa acontecer e vamos ter que interagir com esse debate no contexto do Acordo do EU-Mercosul. Se é um Acordo, ele é bilateral, o Brasil tem que se apresentar e colocar suas posições e não apenas receber imposições.”

Em 2022 o agro do Brasil exportou, no geral, US$ 159 bilhões, sendo pouco mais de US$ 25 bilhões para a União Europeia, ou seja, 16% do total. Os números, destaca a diretora de Relações Internacionais da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), Suemi Mori, demonstram que a UE é o segundo principal destino das exportações nacionais.

Para ela, além dessas restrições, a legislação tem um dispositivo que classifica os países por grau de risco de que aquele produto tem origem em área de desmatamento, o que pode ser muito prejudicial. “O Brasil foi classificado como de alto risco, então isso traz um prejuízo à imagem do país muito grande, não só para a UE, pois ela é um mercado que exporta legislações. Então, quando classificam um país como de alto risco, cria-se uma discriminação.” A CNA afirma que sempre foi favorável ao Acordo EU-Mercosul, mas desde que ele garanta efetivamente acesso ao mercado.

Assim como a União Europeia, outras regiões também estudam legislações semelhantes, explica Rodrigo Lima, sócio-diretor da Agroicone, advogado especialista no setor agropecuário e comércio internacional. A questão que surge é quantos desenhos diferentes de legislação os países terão que atender.

Lima afirma que entende o objetivo de evitar o desmatamento nos produtos importados, mas do ponto de vista regulatório, não se pode esquecer que o Acordo EU-Mercosul tem um capítulo sobre cooperação. “Ou negociamos e encontramos soluções que vão favorecer, reduzir cada vez mais o risco para o consumidor, ou vamos para um cenário de medidas unilaterais, que do ponto de vista do Direito Internacional, preocupa. Gosto muito de pensar na cooperação.”

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Da esquerda para a direita: Leonardo Munhoz, Paulo Pianez e Rodrigo Lima

Esse tipo de legislação, no entanto, não é um instrumento isolado, acredita Leonardo Munhoz, pesquisador do Observatório de Bioeconomia da FGV. “Trata-se de uma tendência, uma nova forma de consumo, de ética ambiental, que está acontecendo”, disse ele, afirmando que o Brasil possui uma legislação única no mundo, como o Código Florestal e o cadastro ambiental rural, o que falta é implementar a lei.

“Ao invés de tentar questionar a OMC (Organização Mundial do Comércio), o Brasil deveria usar do seu ordenamento jurídico ambiental, que é muito vasto, muito completo. Implementar a lei já seria um grande auxílio.”

Para tanto, acredita, será preciso pacificar o Código Florestal na Justiça, para então implementá-lo, além de combater o desmatamento ilegal, dando assim um sinal para a comunidade internacional de que o país está de forma responsável gerindo seus recursos naturais.

Pequenos produtores precisam de acesso à tecnologia

O diretor de Sustentabilidade e Comunicação da Marfrig, Paulo Pianez, ressaltou que existe um desconhecimento sobre a realidade do agro no Brasil, que é um segmento extremamente relevante, ao representar 10% do PIB.

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Paulo Pianez

O Brasil tem cinco milhões de propriedades rurais, sendo que 2,5 milhões se dedicam em alguma medida ao gado de corte. Cerca de 500 frigoríficos possuem SIF. Trata-se de um mercado extremamente pulverizado. Os três grandes respondem por 26% da produção, sendo que cerca de 75%-80% do que é produzido no Brasil, de modo geral, fica no país.

Ele explica que 75% do mercado é formado por pequenos produtores com baixo acesso a recursos, tecnologia e que enfrentam especificidades regionais. “É fundamental conhecer esse contexto do que é a produção pecuária. Só regulação não vai fazer com que se encontrem soluções lá na ponta que reduzam o desmatamento.”

A solução, defende Pianez, passa por fazer os recursos chegarem a esses produtores para que eles tenham acesso às tecnologias. “Se não atacarmos esses pontos, vamos continuar discutindo a mesma coisa.”

Rastreabilidade para identificar a origem

O diretor da Marfrig considera imprescindível a implementação de um sistema de rastreamento para identificar a origem animal, no país. “O Brasil tem possibilidade de fazer isso hoje, com instrumentos que já estão postos. Isso exige capacitação do produtor lá na ponta, e sem políticas públicas que enderecem o recurso necessário para que isso seja feito, nada vai acontecer.”

Faltando pouco tempo para a COP 28, o secretário de Controle do Desmatamento e Ordenamento, André Lima, diz que a meta brasileira, de zerar a descarbonização até 2030, é desafiadora, e que exige um diálogo entre o setor ambientalista e o agro, em busca de ferramentas e mecanismos para viabilizá-lo. “Se vamos alcançá-lo, vai depender do diálogo.”

A CNA já apresentou suas contribuições para a COP, nas quais fala sobre financiamento e mercado de carbono. Para Sueme, a COP é um evento multilateral, então a expectativa é que as peculiaridades brasileiras sejam consideradas, bem como tudo que já foi feito pelo setor produtivo. “Ainda temos muito a fazer, mas já contribuímos bastante, nossa expectativa é de que o setor não seja visto como vilão.”

Para a Marfrig, a característica da produção da pecuária no Brasil tem um potencial enorme para fazer um bom balanço de emissão de metano, especificamente. Enquanto setor, explica Pianez, é fundamental que a indústria em geral tenha metas claras de emissão de metano, para que seja possível medir e verificar setorialmente o tamanho da contribuição com as metas do país. “A Marfrig tem reportado esses números anualmente, e claramente a gente vê meios para que isso seja viabilizado”, comentou.