Pompeo Scola (Foto: Divulgação)
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Pompeo Scola (Foto: Divulgação)

“É preciso trabalhar a cultura da inovação no agronegócio” defende consultor Pompeo Scola

CEO da aceleradora Cyklo Agritech explica o panorama das startups voltadas ao agro brasileiro

Nai Fachini

em 26 de julho de 2024


Pompeo Scola é consultor de mercado e atua na área desde 1980. Ele já passou por empresas como a Buscapé e outras gigantes do mercado em um momento em que ainda faltavam startups no Brasil. Nessa ocasião, teve o desafio de investir no desenvolvimento de empresas, já que o cenário brasileiro não era favorável para o mercado de investimento em startups, em sua avaliação. Scola participou da criação  do programa: “Sua ideia vale 1 milhão” para atrair novas empresas ( startups ) ao mercado. “Mas era preciso ir além, e o primeiro passo foi criar uma metodologia para criar startup sem perder o foco, pois muitas iniciativas eram criadas e morriam logo em seguida”, contou.

Hoje, Scola é CEO da Cyklo Agritech, uma aceleradora de startups fundada em 2019, que além de ser a primeira é também a maior aceleradora de projetos e startups no agro brasileiro. A Cyklo tem como missão levar a inovação para o agronegócio brasileiro, investindo em projetos que beneficiem o produtor e a comunidade.

Acompanhe os principais trechos da entrevista.

Como surgiu a Cyklo Agritech e qual o seu papel no agronegócio?

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Foto: Divulgação

Estamos na região do Matopiba, que envolve os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia. Além da região ser promissora, entendemos que a nossa missão é oferecer um aumento de produtividade, seja via incentivo de uma boa ideia ou seja impulsionando o ecossistema de inovação. Mas, até chegarmos aqui, foi um longo trajeto percorrido.

A Cyklo tem participação em startups de diversas categorias. Temos um portfólio abrangente como empresas de tecnologias contra incêndios florestais, IoT para colheitadeiras, produtoras de orgânicos para revitalização do solo, tratamento para decomposição de plásticos, e por aí vai. É muita coisa mesmo. E essa variedade de atuação tem um grande propósito: oferecer melhores condições aos produtores rurais. Por isso a região onde estamos é tão estratégica.

Pode contar mais sobre o histórico de vocês?

Eu estava morando em Florianópolis (SC) e tinha no currículo de consultor de negócios as passagens pelo Buscapé e a Darwin (aceleradora também), entre outras empresas. Quando recebi o convite de um grupo de empresários da Bahia para desenvolver o que hoje é a Cyklo Agritech.

O primeiro trabalho foi uma avaliação da infraestrutura, de conhecer as cidades e algumas propriedades da região. Vi que tínhamos universidades, aeroportos e toda uma cadeia que poderia ser desenvolvida ao longo dos anos. O passo seguinte foi reunir o grupo de investidores que formam a Cyklo, quando eu disse: “a boa notícia é que vocês têm potencial para a inovação. Por outro lado, não tem startup madura para comprarmos”. Precisaríamos, portanto, desenvolver startups e eles perguntaram como faríamos isso. Como eu tinha a experiência do Buscapé e da Darwin, propus o modelo financeiro de sociedade por conta de participação (SCP). Colocamos 20 sócios e levantamos R$ 5 milhões, o suficiente para começar a rodar no primeiro e no segundo ano.

E como foram as primeiras atrações de startups?

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Ainda no começo, em 2019, quando já tínhamos montado o fundo, viajamos por feiras agropecuárias em diversos estados e fomos convidando o pessoal para vir. Montamos a primeira turma com 10 startups. Investimos R$ 2,5 milhões nesse pessoal. Parte desse dinheiro foi para a estrutura da aceleradora, mentores, energia elétrica, internet, ar-condicionado, computadores, etc. Outra parte foi diretamente aplicada na startup, mas não em salários, e sim em aplicações e ferramentas para o desenvolvimento da empresa. E isso aconteceu nos anos seguintes também.

Como os investimentos foram compostos?

Incrivelmente, a gente fechou o investimento em uma semana com o apoio de alguns produtores rurais locais e empresários de outros estados brasileiros. Temos dois fundos de investidores para desenvolver startups, e eles são compostos por investidores do segmento do agronegócio, como sementeiras, empresas de produção em sua maioria. Mas também há empresários de outros setores, que veem a inovação com bons olhos. No segundo fundo, por exemplo, tem um investidor que é médico.

Esse segundo fundo tem uma diversidade maior, com algumas pessoas que não são absolutamente do nicho, mas que entenderam isso como uma oportunidade. E nos dois fundos nós temos fundos que investem na gente, como o BossaNova, por exemplo. Tem também um fundo alemão de criptomoedas que investe na Cyklo Agritech. A verdade é que nós viramos um ativo atrativo tanto para pessoas físicas quanto para pessoas jurídicas.

Alguma startup que possa citar como exemplo?

Claro, temos algumas. Vou citar uma empresa que hoje fatura recorrente algo entre R$ 2 e 3 milhões por ano (já são contratos). De forma resumida, um menino de 17 anos nos procurou em 2019. Ele veio acompanhado da mãe, com uma ideia na cabeça. Hoje ele fornece para praticamente todos os estados brasileiros e alguns países vizinhos, uma tecnologia desenvolvida com gás carbônico que permite que a semente mude seu trabalho biológico de tal forma que se aplica o gás antes de plantar, fazendo com que a semente entre no estado de latência e, assim, ocorra uma série de transformações que aumentam a produtividade e garantem uma produção a mais por hectare.

Pelo que nos contou, a Cyclo Agritech é totalmente focada no agronegócio. Por que essa decisão?

Sim, somos a primeira iniciativa de aceleração com investimento em fundo no agronegócio verticalizada. Fizemos essa escolha porque, além de impulsionar o setor, saberemos, por exemplo, exatamente quem procurar em instituições, como o Ministério da Agricultura e Embrapa. A atuação nichada facilita muito, pois, se fossemos apenas uma aceleradora, sem um mercado foco, seríamos os “clínicos gerais”. Contudo, na maioria das vezes, os pacientes precisam de especialistas. Nós sempre pensamos que a aceleradora não pode ser algo genérico, ela tem de ser especialista no seu nicho.

Mas isso não limita o espectro de negócios?

A Cyklo capta dez novas startups por ano e as trabalha durante 1 ano.  Da primeira rodada de 20 startups (fundo 1), oito morreram, doze estão vivas, três estão ótimas (tem startup com faturamento R$ 20 milhões por ano). Aliás, uma história interessante: um fundo de investimento ofereceu R$ 60 milhões por uma dessas startups. A família se reuniu com o empresário e disse que tinha ainda muita energia para trabalhar e não venderia agora. Isso mostra o quanto a gente participa da vida dessas pessoas. E isso é para sempre!

Então, na prática, a gente ajuda a criar e fica sócio. Quando a empresa for vendida, lá na frente, é que se capitaliza nossos investidores.

Quais são os principais desafios enfrentados pelas Agritechs no Brasil e como a Cyclo tem se preparado para enfrentá-los?

O dinheiro público (investimento), não alcança as aceleradoras. Alcança o Sistema S, composto por instituições como o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai), alcança as Instituições de Ciência e Tecnologia (ICTs) e outros mecanismos, mas não chega às aceleradoras. Uma startup que está começando não tem condições de inscrever um projeto para concorrer em um edital, por exemplo, assim como também não tem as referências ou lastros desejados, seja para a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) ou a fundo perdido. Então, eu costumo dizer que o Brasil de verdade é muito diferente do que se apresenta. Exemplo disso é que o menininho do gás carbônico largou a faculdade para vir acelerar a startup e hoje já tem um produto com qual aplicou patente mundial.

Pode conceituar melhor o papel de uma aceleradora de startup, como a Cyclo?

A aceleradora é uma espécie de “útero” que gesta a startup enquanto ela se desenvolve. Nós tratamos basicamente três pontos: tecnologia, produto e mercado. Esse é o modelo que os principais institutos do mundo observam. Eles olham para três pilares temáticos: (1) tecnologia, (2) produto e (3) mercado.

Como você vê o impacto das Agritechs na agricultura brasileira?

A Cyklo tem como prioridade o desenvolvimento de startups. A ideia é que ela “saia” do período de aceleração com um produto validado, uma oferta viável, vendas realizadas, gestão estruturada e com um modelo comercial implementado, além de novos investidores.

Basicamente, a aceleradora é um grupo de consultores empresariais experientes, com mentorias em qualquer área de aplicação dos negócios, da tese da aceleradora que tem cuidado de tecnologia de produto e de modelo de mercado. Então, se fizer isso, consegue fazer a startup sair faturando já desde o processo de aceleração.