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Bassi criou a grife de carnes no Brasil 

Em entrevista, Tatiana Bassi lembra da trajetória do criador da marca, o seu pai Marcos Bassi, e avalia tendências do consumidor atual

Redação

em 14 de março de 2023


Na segunda metade da década de 1980, o nome Bassi virou uma referência em qualidade de carne no Brasil. Data dessa época a criação do frigorífico de carnes nobres, de certa forma uma continuação do açougue idealizado por Marcos Bassi na rua 13 de Maio, no tradicional bairro do Bixiga, em São Paulo. Criador de tendências, o empresário de origem italiana abriu caminhos e sua história continua com a filha Tatiana Bassi. Nesta entrevista, ela fala sobre a trajetória do pai e a respeito da marca, hoje sinônimo de produto premium. 

Seu pai foi um criador de tendências, inclusive da carne maturada…

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Reprodução: Facebook Marcos Bassi

Ele arrasava, né? Na década de 1980 ele começou todo o processo de maturação molhada, que é que hoje voltou à moda, mas naquela época as pessoas estavam aprendendo a fazer a maturação de carne molhada e o meu pai também foi um dos maiores, senão o maior percussor dessa técnica aqui no Brasil. Hoje não se matura mais nada e a gente consome carne industrialmente. Isso acontece porque a genética animal está muito elevada. E você já não precisa mais utilizar desse processo de maturação, que inclusive encarece o produto porque demora no mínimo de 15 a 20 dias. Naquela época nós tínhamos o nelore que não tem essa genética atual e não havia a tecnologia de qualidade de carne que existe hoje. Então precisava de um “amaciamento” natural, que era a maturação. Era um processo que, dependendo do tamanho do animal e do quanto ele tinha de gordura, levava até 20 dias dentro de uma câmara frigorífica a zero graus, sem nenhuma limpeza e nenhuma “maquiagem”. 

Como assim?

Era geralmente carne sem osso, porque o osso acelera a degradação. Mas fazia-se também com osso, só que o tempo era menor e você não limpava nada, então você pegava o corte e deixava para que a própria enzima, que destrói o tecido conjuntivo da musculatura do animal, amaciasse naturalmente a carne. 

Bassi tornou-se uma casa de carnes nobres com muitos clientes. Havia uma estrutura grande no frigorífico?

Tínhamos seis câmaras frigoríficas, sendo a maior com capacidade de 8 toneladas e as outras eram de quatro toneladas. Era carne para caramba, que ficava a menos zero graus, congelava mesmo. Não era tudo para maturação, pois isso dependia da demanda dos clientes. Duas câmaras eram apenas para os traseiros, que geralmente eram as maiores. E havia a inovação da distribuição, feita com perua Kombi que eram frigorificadas, um negócio caríssimo. Mas era um orgulho ter uma perua com a logomarca Bassi. 

Quando foi exatamente isso?

Cerca de 1985, mas o sucesso de fato aconteceu em 1987, que colocou a Bassi como primeira grande grife de carne, inclusive um conceito mundial. Teve várias reportagens na época e meu pai viajava bastante para se instruir e estudar e contar sobre o que fazia no Brasil. Ele contava sem falar o português direito. Meu pai tinha o quarto ano primário, mas ele sempre tinha alguém com ele para traduzir e levava fotos e as pessoas analisavam o que ele tinha criado. Falava de quanto o brasileiro comia de carne. E essas pessoas do exterior, do mercado de carne, vinham para cá também. Havia um intercâmbio e elas vinham ver o que que ele estava fazendo e acabavam constando que Marcos Bassi era realmente único. Ele virou uma referência internacional e eu, relembrando isso, me dá um orgulho danado por ter tido o privilégio de ele ter sido o meu pai. 

E como se acompanhava a compra da matéria prima?

Ele tinha amizade com os pecuaristas, que o chamavam de Marquinhos, porque ele era mais jovem nessa época. E eles perguntavam, o que era preciso fazer para se vender os animais com o melhor preço. Meu pai orientava a respeito e fazia a conta para ter o animal certo a tempo de beneficiá-lo e vender com valor agregado. Era uma marca de qualidade, mas que tinha público e até hoje é uma marca top, sinônimo de qualidade. A negociação era feita de um jeito que se tinha um animal de qualidade e ainda assim se poderia realizar a venda dos cortes com valor agregado. Ele ajudou a desenvolver essa cadeia final porque antigamente o pecuarista não conversava muito com a indústria. E isso com fornecedores em São Paulo e outros estados. Ele se tornou um fornecedor de carnes nobres, abastecendo não só São Paulo, como o Rio de Janeiro em peso. E o Sul também. Algumas pessoas pensam que os gaúchos têm uma ressalva contra São Paulo, mas eles nunca tiveram com a gente e meu pai se deu muito bem com eles, que têm tradição em carne. 

E quando acontece a criação da churrascaria, que é atualmente o Templo da Carne Marcos Bassi?

Reprodução: Site Templo da Carne

Meu pai ficou muito próximo do pessoal da Rede Globo, principalmente do Boni (então principal executivo da emissora e referência da televisão brasileira, pai do atual diretor Boninho). E o Boni começou a apresentar para o meu pai todas as pessoas formadoras de opinião que faziam muita diferença, naquela época quando não existia a internet. E eles vinham e podiam provar das iguarias do Clube do Churrasco, uma iniciativa para o qual meu pai convidada donos de hotéis e restaurantes de todo o Brasil. Ele preparava os cortes na frente de todos e grelhava as carnes. Era um espaço para 12 pessoas e, às vezes, o Boni trazia os convidados dele. Foi o Boni, inclusive, que deu a ideia para abrasileirar o nome da bavette para fraldinha, corte de carne popularizada por meu pai. Então, em certo momento, ele disse a meu pai que não podia trazer os amigos para comer somente no Clube e o incentivou a criar a churrascaria. E assim foi feito em 1989. 

E a evolução para o Templo da Carne?

Na época, nós abrimos a churrascaria no quarteirão de baixo do frigorífico, tudo na 13 de Maio, e o Clube do Churrasco ficava em frente ao frigorífico. Hoje, eu coordeno a sala VIP do Templo da Carne, mas não com a magnitude que meu pai fazia, porque ele foi único. E a churrascaria atualmente é reconhecida mundialmente e considerada uma das dez melhores do mundo. E foi o legado que meu pai nos deixou porque com a visão de sangue italiano que ele tinha era o melhor para mim e para minha irmã. Ele não nos queria cuidando do frigorífico e nem de fazenda, então a transição para o restaurante aconteceu e ele passou a negociar a venda da marca, hoje pertencente à Marfrig. Ele disse que queria ser gigante e para ser gigante teria que fazer parte do portfólio de uma grande empresa. 

Como você aprendeu sobre carnes com seu pai?

Reprodução: Canal Marcos Bassi

Sempre fui muito grudada a ele, então eu não tinha opção de gostar ou não, mas gostava de estar com ele e visitei muitos frigoríficos, inclusive tinha que usar botas maiores do que meu número, e assim fui aprendendo por osmose. E fui aprendendo só de olhar muitos e muitos anos, inclusive todas as palestras dele – até a última eu estava do lado dele. E aí você vai se apaixonando pelo negócio.

E a questão de carne como fonte de proteína versus a alimentação atual?

Cada um deve optar por aquilo que lhe faz melhor, mas pessoalmente eu não conseguiria ficar sem comer proteína animal, principalmente de carne vermelha de boi, porque eu fui acostumado desde pequena com essa alimentação. É um alimento que tem uma carga proteica e de colágeno, de minerais e de aminoácidos, de tudo que é importante para meu organismo. É a proteína mais completa que temos à disposição. E nós somos produtores mundiais não só de carne, mas de alimentos.

Com essa experiência acumulada, o que você destacaria como estratégia para manter a qualidade de um restaurante? 

Divulgação – Tatiana Bassi

Primeiro você tem que ter pessoas extremamente comprometidas com essa qualidade, com a alimentação do gado, com a saúde do animal até o abate. A partir daí é um outro processo, que acontece na indústria e que continua até o consumidor final, mas que envolveu várias etapas. Eu sigo a mesma linha de raciocínio do meu pai, que defendia que a qualidade da carne depende de como a raça foi criada. É claro que existem raças que são geneticamente mais fáceis de se conseguir um resultado de maciez, de textura e de sabor, mas se bem geridas, todas as raças dão boa carne. Tem que haver comprometimento do produtor e depois de quem for manipular a carne. No caso do Templo da Carne, temos parceiros maravilhosos e confiáveis. É um restaurante de quase 50 anos que está pulsante ainda e temos um movimento gigantesco de domingo a domingo. Eu recebo gente do mundo inteiro ali com mais de 120 lugares para almoço e o mesmo para o jantar. 

O paladar do brasileiro mudou nesses anos todos?

O consumidor atual tem um paladar extremamente aguçado e não está comendo somente a picanha. Tudo começa com a primeira fase da cadeia, que são os produtores desenvolvendo animais de melhor qualidade, e uma coisa puxa outra. Esse gosto apurado não se restringe ao churrasco, mas se ampliou para a gastronomia em geral. A escolha dos cortes também acompanhou isso e além de escolher melhor, os brasileiros também estão apreciando fazer esses cortes. Os canais de Youtube estão ajudando muito nisso, popularizando o conhecimento como o meu pai fazia na época dele. Já temos uma cultura de bife ancho e as pessoas discutem questões como percentual de marmoreio e suculência. Para todos nós, que estamos nessa indústria, é maravilhoso. 

Com sua experiência, qual é a recomendação para se ter uma experiência gastronômica interessante com carne?

Não focar na quantidade e sim na qualidade do produto, porque se você pensar economicamente, você vai gastar o mesmo tanto para comer um monte de coisa e no final você não vai saber o que que o que satisfez mais. Vai poder só falar para o seu coleguinha que você comeu para caramba e que ficou “inchado”. Por outro lado, se você vai gastar a mesma grana para consumir uma marca maravilhosa de confiança, vai notar que pagou o mesmo preço, mas vai ficar com memória de algo que realmente vai te marcar. Será uma experiência. Uma experiência de qualidade e de satisfação.