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A pecuária pode ajudar na descarbonização? 

Para o professor e cientista da USP, Ricardo Abramovay, a resposta é sim

Redação

em 20 de dezembro de 2023


Ricardo Abramovay, professor titular da Cátedra Josué de Castro da Faculdade de Saúde Pública da USP, considera que, na perspectiva econômica, a carne vermelha é a proteína mais eficiente em termos de custo de produção e entrega de valor nutricional, mesmo considerando as emissões de carbono. “Mas, importante explicar que não estamos falando de produtos oriundos de qualquer pecuária”, ressaltou. Para Abramovay a pecuária pode, sim, ajudar na descarbonização, desde que boas práticas sejam adotadas pelos produtores e por toda a cadeia de suprimentos.

Ele explicou que, nos últimos 30 anos, o Brasil fez diversos incentivos políticos e econômicos para a abertura de áreas de agricultura, o que, na prática, significou a derrubada de florestas e a transformação da mata primária em plantações (com o desmatamento e a implementação de pastagens para bovinos). 

Pequenos agricultores

Ananias de Oliveira, um pequeno produtor rural do assentamento Tuerê, em Novo Repartimento, no Pará, confirmou a informação de aAbramovay, mencionando que a atividade foi fortemente incentivada por governos, ao longo das últimas três décadas. “Quanto mais a gente abria, mais terra ganhava do Incra”, disse o produtor à EXAME. Para contextualizar, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso, Oliveira chegou ao Pará para ser assentado do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), e foi incentivado pelo Incra a abrir pastagens. Na época, Raul Jungmann era o Ministro Extraordinário de Política Fundiária e deixou o legado de “o maior programa de reforma agrária da história do Brasil”.

Hoje, a Amazônia tem pelo menos meio milhão de famílias de pequenos agricultores, ocupando uma área de 33 milhões de hectares. Mais de 70% desse total são assentamentos. Cerca de 47% são pequenas propriedades que atuam na criação de bezerros, e já desmataram cerca de 26% de suas terras de 2008 pra cá. 

Justiça climática

De acordo com Abramovay, ainda que o combate às mudanças climáticas esteja acima de qualquer interesse individual, por se tratar de um risco para toda a humanidade, é preciso identificar uma solução que inclui aqueles que são mais vulneráveis às mudanças climáticas. As áreas de produção na Amazônia hoje garantem o sustento de 500 mil famílias.

Para Abramovay, os dados mostram que um terço das emissões globais vêm do sistema agroalimentar global, e as carnes, em especial a bovina, respondem por 60% disso. “O problema é que essa contabilidade está baseada nos modelos europeu e americano de criação de gado, muito diferentes do modelo sul-americano. No Brasil, somente 16% do gado é confinado. Já no exterior, o porcentual varia entre 65% e 70%”, apontou o professor, que defende a “revisão dessa contabilidade”.

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De fato, é uma diferença importante, uma vez que o gado criado no Brasil, Argentina ou Uruguai, é solto no pasto e por isso, depende de uma variedade de gramíneas forrageiras (vegetação que cumpre funções ecossistêmicas, como manter o carbono no solo, por exemplo).

A pecuária a favor dos esforços de descarbonização

De acordo com Abramovay, para desenvolver a pecuária a favor dos esforços de descarbonização, será preciso investir em produtividade. A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) revelou dados que mostram que, em média, as pequenas propriedades na Amazônia produzem menos de 1 cabeça de gado por hectare. Por outro lado, a Embrapa desenvolve há mais de 25 anos o Sistema Guaxupé, que é um modelo sustentável para intensificação da pecuária, com pastagens permanentes e o manejo minucioso da vegetação.

Oliveira foi um dos pequenos agricultores que implementaram o sistema em sua propriedade. Como resultado, sua produção subiu de 1 para 6 cabeças de gado por hectare. “Usamos um sistema de rotação, enquanto o gado come em uma parte, na outra o capim vai crescendo”, explicou. “Antes, o gado ficava largado no pasto, e só olhávamos três ou quatro vezes por semana. Agora, manejamos todos os dias. Temos sempre de tirar o gado, porque o capim não pode ficar menor do que 40cm, nem maior do que 90cm.”

Com a implantação desse sistema, a eficiência energética da pecuária se transformou. A dinâmica do gado se alimentar de um tipo de vegetal que os humanos não conseguem digerir, permite que áreas para produção de vegetais (alimentos) não sejam substituídas por pastagens. No caso das aves e dos suínos, eles são alimentados com soja e milho.

De acordo com o professor, vale ressaltar que a pecuária não concorre com a alimentação humana em áreas de pastagens naturais. “O desafio, então, é reduzir as áreas de pastagens, aumentando a produtividade. A vantagem dos países tropicais, nesse sentido, é que é possível ter uma pecuária baseada na diversificação das pastagens e na introdução de leguminosas. Isso terá um efeito positivo sobre a captação de carbono, a biodiversidade e a produtividade. Não é possível fazer isso, na mesma intensidade em países da Europa e nos Estados Unidos”, pontuou.