qualidade na produção de alimentos

Três passos para um salto de qualidade na produção de alimentos   

Em artigo, especialistas mostram o grande potencial e os desafios para o Brasil se posicionar como o principal supridor mundial de alimentos

Izabella Teixeira, Paulo Pianez e Roberto S. Waack

em 23 de agosto de 2023


Haverá um país capaz de ser o grande supridor de alimentos no mundo, lidar com a urgência ambiental e climática e promover inclusão social? A resposta é sim, aqui e agora. Poucas nações – ou talvez nenhuma – reúnam as condições que o Brasil apresenta: vastas terras agricultáveis, clima tropical, imensas áreas naturais biodiversas, sofisticado sistema de geomonitoramento e fontes renováveis de energia. 

Basta aproveitar as condições que tem nas mãos para o Brasil se consolidar como o maior provedor global de alimentos e produtos verdes, alinhado com os menores impactos ambientais, baixa emissão de carbono, e em sintonia com o compromisso do governo federal de erradicar a fome e a pobreza. Esse novo desenho de participação no comércio internacional é o passo capaz de alçar a nação a um outro patamar de relevância no plano geopolítico. 

Tal passo, contudo, não é trivial, até porque o setor agropecuário é responsável por 27% das emissões brutas  brasileiras, logo atrás de mudança no uso da terra, responsável por 46% (SEEG 2021 – Análise das emissões brasileiras de GEE). Há muito trabalho pela frente, enquanto a janela para enfrentar a crise climática se fecha em poucos anos. O desafio, portanto, exige um rápido esforço coordenado que deve se assentar nos pilares da produtividade e na rastreabilidade, sob uma nova abordagem, que é a inclusão. 

A exclusão de produtores não se mostrou suficiente para conciliar produção com a conservação da biodiversidade. Na verdade, causou assimetrias no setor, criando um mercado com critérios socioambientais mais exigentes e outro mais permeável. Para uma transformação efetiva no setor agropecuário, é preciso que ela seja sistêmica, envolvendo todos os elos. 

O desejável, portanto, é trabalhar para que o pequeno fornecedor perceba as vantagens de produzir com respeito às leis ambientais e fundiárias, buscando o uso mais eficiente da terra. A abordagem da inclusão permite identificar as reais necessidades de produtores, possibilitando uma atuação conjunta dos vários atores da cadeia para levar soluções efetivas tanto do ponto de vista conservacionista quanto da rentabilização dos produtores. Para isso, todos os atores do setor devem viabilizar os meios pelos quais esses produtores possam efetivar essas mudanças alinhadas às melhores práticas de produção.

Uma dessas práticas é o aumento da produtividade agropecuária e do uso do solo, por meio da tecnologia, tecnificação e assistência técnica. Ao buscar sistemas e processos mais eficientes, emite-se menos gás de efeito estufa por unidade produzida. O melhor aproveitamento de campos e pastos torna desnecessário abrir fronteiras, evitando emissões oriundas desmatamento. Os ganhos de produtividade na pecuária de corte estão diretamente ligados às menores emissões: além de pastos bem manejados, inovações tecnológicas na nutrição bovina levam os animais a gerar menos metano, gás de grande impacto no aquecimento global. E a intensificação da pecuária por meio da melhoria genética permite um ciclo de vida mais curto do animal, o que também reduz as emissões. 

Essa transformação no sistema produtivo demanda investimentos que, hoje, não são adequadamente atendidos pelos instrumentos financeiros disponíveis, sejam eles creditícios convencionais, sejam os propalados instrumentos financeiros “verdes”. Daí a necessidade de se engajar os agentes financeiros para que desenvolvam mecanismos mais inovadores. 

O outro pilar é a rastreabilidade da produção. Toda e qualquer política voltada a zerar o desmatamento passa pela necessidade de identificar o local de origem e trânsito do produto ao longo da cadeia produtiva. Essa, inclusive, é uma exigência crescente por parte da nova geração de consumidores, em especial a europeia.

O aumento da produtividade e a garantia de rastreabilidade permitirão significativa redução das emissões brasileiras. Com uma contribuição acima da média para o equilíbrio climático e para a segurança nutricional global, o Brasil será capaz de alterar o jogo de forças no comércio internacional, em que países ricos têm regulamentado sanções a produtos brasileiros.

Algumas empresas já buscam se orientar em sintonia com a nova tendência. A Marfrig, por exemplo, segunda maior empresa do setor, adotou uma série de compromissos ligados à produtividade, rastreabilidade e inclusão por meio do Plano Marfrig Verde+, lançado em 2020. Embora a ação das maiores empresas seja fundamental, é preciso que todo o setor produtivo esteja envolvido em torno de uma política pública coordenada.

A criação dessa política exige uma ação conjunta de atores-chave, tais como empresas coordenadoras de cadeia, associações de produtores, agentes financeiros, redes da sociedade civil organizada e, claro, o poder público, representado pelo Executivo, Legislativo e Judiciário (na figura de Ministério Público), além dos estados. Essa discussão já é pauta de diversos fóruns, mas falta uma ação articulada que faça os esforços convergirem em resultado – e o momento de fazer esse amálgama é agora.

Já existe uma proposta na mesa, por exemplo, para lidar com o desafio da rastreabilidade na pecuária, mas que necessita de regulação para avançar. Trata-se de combinar o uso de duas ferramentas em funcionamento: a Guia de Trânsito Animal (GTA) e o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Exigida para transporte animal com informações sobre origem, destino, finalidade, espécie e vacinações, a GTA pode se tornar um instrumento para informar a rastreabilidade dos fornecedores indiretos, desde que acoplada ao CAR, que indica os perímetros das propriedades compradoras e vendedoras. A proposta assegura a integridade do objetivo principal da GTA – a sanidade –, bem como a confidencialidade de todas as informações críticas dos produtores.

Essa é uma ação apta a ser implementada desde já pelo Brasil, enquanto se prepara um sistema de identificação individual dos animais por meio de brinco e chip – considerado mais robusto, contudo mais dispendioso em recursos e tempo de implantação.

Propostas como estas são capazes de promover saltos de qualidade na produção de alimentos no Brasil. Mais que isso, mostram a busca pelo uso eficiente de recursos naturais, o que vai além do combate ao desmatamento e dialoga com produtividade, eficiência e inclusão. Apresentar esse cartão de visitas fará o Brasil ser cada vez mais respeitado em fóruns globais estratégicos, em especial aqueles dos quais será anfitrião: a reunião do G20, em 2024, e a COP 30 sobre mudança do clima, em 2025. O diálogo com o futuro já começou.

*Izabella Teixeira é ex-ministra do Meio Ambiente, copresidente do International Resource Panel da ONU e senior fellow de Mudança do Clima e Uso do Solo do Cebri

**Paulo Pianez é diretor de Comunicação e Sustentabilidade da Marfrig

***Roberto S. Waack é do Conselho de Administração da Marfrig e do Instituto Arapyaú