Xisto Alves (Foto: Divulgação)
xisto alves
Xisto Alves (Foto: Divulgação)

Aplicativo opera offline e direciona gestão de fazendas

Startup oferece ferramentas como análise de dados, indicações de saúde e alimentação de cada animal da fazenda, controle de insumos, entre outros, facilitando a gestão e melhorando a produtividade

Nai Fachini

em 7 de maio de 2024


Até recentemente, a internet não chegava à maioria das zonas rurais no Brasil. Hoje, com a expansão das redes 4G, 5G e provedores via satélite, ela já está presente na maioria das fazendas brasileiras. “Pelo menos nas sedes das fazendas”, diz Xisto Alves, CEO da JetBov, uma startup de gestão para pecuária de corte. As ferramentas digitais da JetBov são compostas por dois aplicativos, JetBov de Campo e JetBov de Pasto,  que operam offline nas áreas rurais e permitem a coleta de dados automatizada nas fazendas. Assim como a plataforma web, que possui armazenamento de dados em nuvem para que os gestores das fazendas possam ter uma visão completa da gestão da fazenda. 

Em entrevista ao Prato do Amanhã, o executivo contou detalhes da empresa e os motivos pelos quais ela foi criada. Segundo ele, sanar as dores do fazendeiro e o ajudar na gestão sempre esteve no topo da lista das prioridades.  

Pode nos contar um pouco sobre a JetBov e como ela nasceu?

Eu venho da área de tecnologia. Comecei minha carreira em 1996, com desenvolvimento de softwares para gestão de grandes empresas. Em seguida, co-fundei uma empresa de consultoria empresarial, especializada em  gestão estratégica, projetos e processos. Paralelamente a isso, em 2004, comecei a ter contato com o setor pecuário. Mas foi em 2014, dez anos depois, que nasceu a ideia que poderia modernizar a gestão da bovinocultura de corte no país. Precisávamos pensar em soluções para melhorar a organização de uma área de criação de gado da família, localizada na região serrana de Santa Catarina. Ao me deparar com esse cenário, nasceu a missão da JetBov, de usar a tecnologia da informação para ajudar a organizar e facilitar a vida do produtor, com foco em aumentar a lucratividade e sustentabilidade da fazenda, e transformar a gestão da propriedade em uma verdadeira empresa rural .

De que forma a tecnologia de vocês pode impactar na produtividade e lucratividade de uma fazenda de gado de corte?  

Foto: Divulgação

Eu costumo dizer que isso é o que justifica a existência da empresa: otimizar a produtividade e melhorar a rentabilidade da fazenda de gado de corte. Veja, nós não temos clientes que olharam para o passado e pensaram: “nossa, como perdemos dinheiro com a gestão descontrolada”. Nós temos clientes que estão encantados com a possibilidade de conhecer profundamente a realidade do negócio através dos dados, e com essas informações, direcioná-lo para que dê mais lucro. 

Entender que 70% do custo de um produtor vem, basicamente, da alimentação do gado, e que esse processo pode ser otimizado, com o manejo correto do pasto, permitindo que o produtor produza mais arrobas por hectare, ou seja, produza mais carne em um menor espaço de terra, é um bom exemplo de como a gestão eficiente impacta na produtividade, e como consequência, na lucratividade e sustentabilidade do negócio.

Geralmente, quando se tem conhecimento dos dados reais da fazenda, se torna possível modificar a rota da gestão. Você concorda?

Com certeza. Um ponto sobre isso é a lotação média de uma fazenda no Brasil, que é de um animal por hectare. A gente tem potencial de multiplicar por três, quatro, cinco animais por hectares. Ou seja, usando a mesma área já disponível, é possível aumentar a produção e a rentabilidade exponencialmente. Da mesma forma, evita-se o desmatamento para  abertura de novas áreas, o que gera um grande impacto positivo para a sustentabilidade ambiental. Enfim, temos um negócio que traz o uso da tecnologia da informação para tornar a pecuária mais sustentável. 

O aspecto sustentável já era visado por vocês na criação da JetBov?

Sim. Sabíamos que a melhor maneira de influenciar na questão ambiental dentro da pecuária é elevando o volume de animais sem aumentar a área ocupada, impulsionando a rentabilidade do maior ativo, a terra. Essa visão está no nosso nome: Jet vem de “acelerar”. Ou seja, usar a tecnologia da informação para acelerar o ciclo da produção.

Em 2023, fizemos uma análise interna, considerando os 10% melhores resultados dos nossos clientes. O impacto do uso da JetBov na gestão da fazenda, possibilitando uma tomada de decisões assertiva e baseada em dados, gerou uma média de aumento de produtividade de 237% em suas fazendas.  Grande parte desse resultado se deve ao componente governança. Então, é muito claro que são os dados que permitem fazer uma boa gestão e encontrar meios de realizar esta transformação.

Em que momento a JetBov deixou de ser um projeto para se tornar um startup de referência no setor?

A JetBov é uma startup que passou por todos os estágios,  desde o processo de incubação dentro do Instituto Federal Catarinense (IFC). Depois, passou por uma aceleração do Ministério da Indústria e Comércio do governo brasileiro, o Inovativa Brasil, em 2015, direcionando a empresa ao modelo que temos hoje. Em 2016, fomos selecionados para um programa de aceleração, com investimento em São Paulo, com a Ace Startups, que na época chamava Aceleratech. Era a maior aceleradora que existia no Brasil. Ficamos seis meses lá, participando de todo esse processo e, ao final, recebemos investidores-anjos. Foi então que voltamos para Joinville (SC) e a JetBov estava pronta para o mercado oficialmente. Em 2018, fomos investidos pela SP Ventures, hoje considerado o maior fundo de venture capital da América Latina focada em agtechs, como são chamadas as startups que criam soluções para o agronegócio. Recentemente, realizamos uma captação através da plataforma Eqseed, com objetivo de escalar no negócio através de uma estratégia de parcerias no Brasil e exterior.

Qual a amplitude da JetBov no mercado?  

Hoje nós atendemos clientes em todos os estados do Brasil. São mais de 3.600 fazendas. Estamos presentes em produtores localizados desde o Rio Grande do Sul até os estados do Norte, como Acre e Roraima. Também estamos no Nordeste e, em escalas diferentes, em praticamente todos os estados brasileiros. Avançamos também em outros países, como Paraguai, Bolívia, Peru, Uruguai, Angola, Moçambique e Portugal.

Qual é a oferta da JetBov?

Um dos grandes diferenciais da JetBov é oferecer ao gestor da fazenda uma visão ampla e completa sobre o rebanho. Além disso, fornecemos dados individuais sobre cada animal e também sobre o pasto. Estamos totalmente focados na gestão de fazendas produtoras de bovinos de corte. 

Quando criamos a JetBov, uma das barreiras que precisávamos superar para atender nossos clientes era a questão da coleta de dados no curral. Até pouco tempo, não existiam aplicativos que dessem suporte ao gestor da fazenda nesse sentido. As anotações eram feitas  no caderno de campo ou em planilhas que ficavam na sede da fazenda. Então, entendemos que o grande desafio era coletar o dado no campo e automatizar esse processo, garantindo maior agilidade e confiabilidade nos dados. 

Sempre tivemos em mente: precisamos usar a TI, ou Tecnologia da Informação, para fazer uma pecuária mais sustentável e economicamente mais viável para o fazendeiro. Junto a isso, precisávamos abordar a questão da sustentabilidade e do bem-estar animal, e conseguimos. 

Como vocês organizaram essas demandas para apresentar a solução atual ao mercado?

aplicativo jetbov
Foto: Divulgação

Nós nos propomos a resolver três problemas: (1) coletar dados, (2) saber o custo do animal e (3) melhorar a gestão do pasto, que é o principal recurso para uma produção mais lucrativa. A partir desse tripé, criamos um software que entrega ao gestor da fazenda um verdadeiro raio-x da propriedade, permitindo que ele analise os dados e tire insights importantes para conduzir seu negócio em direção a maior rentabilidade.

Pode detalhar esses itens?

Sim. Em relação a coleta de dados, a nossa meta foi eliminar as anotações nos chamados cadernos de campo, como comentei anteriormente, proporcionando uma forma automatizada para realizar o registro dos manejos da fazenda. 

A segunda dor observada estava relacionada aos dados econômicos do animal, principalmente no que tange aos custos diretos e indiretos necessários para o seu desenvolvimento ao longo vida. Para entender esses custos e validar se a fazenda está obtendo lucro real, além de identificar quais animais não estão tendo o desempenho esperado, é preciso realizar a chamada pecuária de precisão, identificando individualmente os animais e avaliando todo o valor investido na criação, seja com insumos, suplementação, cuidados veterinários, e demais custos necessários para o funcionamento da fazenda. 

Dentro da JetBov, o pecuarista consegue acessar a ficha completa de cada animal, com fotos, dietas, vacinas, árvore genealógica etc, e  identificar o custo de cada arroba produzida, assim como as fontes de gargalos financeiros dentro da propriedade. Sempre tivemos em mente que precisamos dar condições ao gestor da fazenda, para que ele possa avaliar os dados reais e projetar o futuro do seu negócio.

A terceira…

A terceira dor identificada pela JetBov é relacionada ao manejo do pasto. Entendemos que era preciso melhorar a gestão do principal recurso para a alimentação do gado e criamos ferramentas de planejamento, monitoramento e controle para ajudar a otimizar o manejo do pasto. Um exemplo disso é o aplicativo de pasto da JetBov, que permite realizar e controlar o pastejo rotacionado, diretamente pelo celular, através do mapa da fazenda no app.

Entendemos que as três dores estão conectadas, como um tripé. O pecuarista precisa conseguir coletar os dados relativos ao que está acontecendo no campo, não apenas sobre os animais, mas também sobre as pastagens, e os custos das ações para que as decisões sejam equilibradas. “Não adianta engordar o boi no confinamento e depois ver que deu prejuízo. Ao mesmo tempo precisa saber como está a lotação no pasto, e como poderia otimizar o manejo do pasto”.

A questão da conectividade, que ainda não é ideal em todas as fazendas, interfere no processo de vocês?

Nossos aplicativos  coletam dados de forma offline. O aplicativo JetBov de Campo possui integrações que permitem a coleta das informações via brincos de identificação, balanças eletrônicas, sensores e bastões que operam por radiofrequência. Na prática, o app trabalha offline, mas quando está conectado, geralmente na sede da fazenda, sincroniza os dados na nuvem da JetBov. Hoje temos mais de 60 opções de integração com sistemas, aplicativos e plataformas diferentes. Tudo isso para habilitar  a uma gestão cada vez mais baseada em dados, através de IoT (Internet das Coisas). Ou seja, tomar decisões utilizando o que realmente está acontecendo no curral e na fazenda para melhorar o desempenho financeiro e produtivo do negócio.

Como funciona o aplicativo? A empresa oferece tutoriais, suporte ou treinamentos para os usuários?

jetbov aplicativo
Foto: Divulgação

Nosso software atende desde fazendeiros com pouca afinidade tecnológica até os mais experientes, passando, claro, pelos funcionários da fazenda, que nem sempre têm familiaridade com a tecnologia. Pensamos muito na usabilidade e na experiência do usuário ao criarmos os aplicativos. 

Nós entendemos que é preciso ter uma visão holística da fazenda, e por isso os dados reais são essenciais. 

A respeito de suporte, tutoriais e treinamentos, temos uma equipe de Sucesso do Cliente dedicada a auxiliar os pecuaristas a alcançarem o melhor uso da nossa plataforma.

Com a crescente preocupação sobre segurança de dados e privacidade, como a JetBov garante a proteção das informações inseridas no sistema? 

Atendemos à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e nosso cliente ao iniciar com o JetBov precisa aceitar a  nossa política de privacidade, na qual garantimos que os dados são protegidos e que eles são proprietários das informações, não a JetBov. Contudo, temos a prerrogativa de utilizar os dados de forma anônima para desenvolver e melhorar os nossos serviços. 

Por fim, quais são os planos futuros para o JetBov? Existem novos recursos ou melhorias previstas? 

Temos muitos planos pela frente. Comercialmente não posso revelar muita coisa, mas atualmente já somos vistos como uma empresa pioneira na pecuária 5.0. A ideia é seguirmos nessa linha, que envolve uma disponibilidade de dados ainda maior, com mais dispositivos, sensores e novas tecnologias autônomas para coletar informações, o que traz uma complexidade maior na tomada de decisão em tempo real com um alto volume de processamento de informações. É um novo momento da pecuária não só no Brasil, mas no mundo.