Walter Baethgen
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Walter Baethgen

Urgência climática é o maior desafio da história humana

Pesquisador sênior da Universidade de Columbia, Walter Baethgen, explica como os efeitos da urgência climática são de curto e longo prazos

Redação

em 4 de agosto de 2022


A urgência climática é o maior desafio da história humana, pois afeta os sistemas alimentares, de saúde, amplia os fenômenos naturais extremos e os ecossistemas naturais. É o que resume o professor Walter Baethgen, pesquisador sênior do Instituto Internacional de Pesquisa para Clima e Sociedade (IRI) da Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, e vice-presidente do Instituto Nacional de Investigação Agropecuária (INIA) do Uruguai, seu país natal.

Os efeitos da urgência climática são de curto e longo prazo, sendo que os primeiros nós já começamos a conhecer com aumentos de inundações, ondas de calor e secas. Segundo Baethgen, isso se agrava com a constatação de que as populações que já vivem em situações vulneráveis são as primeiras mais atingidas por essas catástrofes, elevando ainda mais a questão social e mostrando como as frentes do ESG (ambiental, social e de governança) estão intimamente ligadas.

Veja, na entrevista cedida com exclusividade ao Prato do Amanhã, porque chegamos a essa situação, quais são os caminhos para sairmos dela e o que o mundo tem feito a respeito.

Para contextualizarmos: qual é a urgência climática e como o mundo a está enfrentando?

Esta é a urgência mais importante que temos conhecimento na humanidade e, se ela não for controlada, teremos muita dificuldade em manter os sistemas de produção de alimentos, de saúde e os ecossistemas naturais. O planeta tem um efeito estufa natural, fundamentalmente gerado por vapor de água e dióxido de carbono. É como uma “green house”, com mais calor dentro do que fora. Se não houvesse esse efeito estufa, a Terra seria de 15 a 20°C mais fria, inviabilizando a nossa existência.

Ocorre que, há quase três séculos, a humanidade tem emitido mais gases com esse efeito estufa do que o espaço da green house é capaz de comportar, gerando mais calor do que o normal e afetando o clima de todo o planeta. Em consequências práticas, isso resulta em mais eventos extremos, como ondas de calor, inundações, grandes secas, etc, e o aumento desses fenômenos preocupa mais do que o aumento da temperatura em si.

Como o senhor detalha as consequências de não limitarmos o aquecimento global a 2°C até 2050?

Os efeitos são de diferentes tipos. A longo prazo, dou exemplo olhando para o estuário do Amazonas, no Pará. Existe uma área muito grande dessa região que está no nível do mar. Imagina se o nível do mar começa a subir? Grandes áreas serão permanentemente inundadas. Isso é um risco a longo prazo, é uma tendência.

A curto prazo, os eventos extremos são os efeitos mais notórios e que mexem, principalmente, com a questão social. Por isso entendo que a comunidade científica está sendo muito pragmática, admitindo, no Acordo de Paris (2015), que vai ser impossível que o mundo pare de emitir gás de efeito estufa em pouco tempo. Por isso o limite sugerido foi 2050 e isso exige grandes movimentações, como transformação da matriz energética mundial, afetando os modelos de transportes, processos industriais, gestão de resíduos, etc.

Muito se fala da ligação entre a urgência climática e a social. O senhor pode explicá-la?

O primeiro ponto é perceptível quando relacionamos que as grandes vítimas dos desastres naturais são as pessoas que já estão em situações economicamente vulneráveis, como o pequeno agricultor e os moradores de favelas. Portanto, quanto mais se aumentam as pressões ambientais, mais essas pessoas sofrem. Por outro lado, é muito difícil fazer essa relação com números e é por isso que temos de manter os exemplos. Veja a guerra da Rússia com a Ucrânia. Fora toda a barbaridade que é – como em qualquer guerra – os dois países são grandes produtores de alimentos e estão deixando de produzir por conta do conflito. Quem estão sendo os maiores prejudicados? Alguns países pobres, do Norte da África, principalmente.

Se o mundo alcançar o objetivo climático, que cenário teremos depois de 2050?

É imprevisível, mas certamente menos pior do que se não alcançar. Cada kg de gás carbônico emitido fica na atmosfera por até mil anos. Isso quer dizer que, hoje, provavelmente, não estamos sofrendo os efeitos das emissões dos últimos anos, mas sim dos últimos séculos.

Como o senhor avalia a relação da emissão de metano com o setor agropecuário feita por alguns grupos na COP-26, na Escócia?

Primeiro eu pontuo que a agropecuária é fundamental para a segurança alimentar (ODS 2, da ONU). Depois relaciono que o setor de alimentos – envolvendo toda a sua cadeia, desde o marketing até o transporte – é responsável por entre 20% e 30% das emissões de gases de efeito estufa (a diferença dos dez pontos percentuais depende de como se mede). Já o setor energético é responsável por 70%. Então, diante da urgência que estamos, devemos priorizar o tratamento de qual grupo? Certamente do que emite mais.

Pode falar mais sobre a segurança alimentar?

O mundo vai chegar a 8 bilhões de habitantes até o final de 2022, sendo que 10% disso (800 milhões de pessoas) dormem com fome todos os dias. Em contraponto, há 2 bilhões de pessoas com sobrepeso, além de mais 1 bilhão com obesidade. Ou seja, temos, pela a primeira vez na história humana, mais gente com problema de saúde por uma nutrição não adequada (diabetes, pressão arterial, etc.) do que por subnutrição. Somando os subnutridos e os nutridos inadequadamente, temos praticamente a metade da população mundial com problema de alimentação. Isso, definitivamente, não pode estar certo, ainda mais se acrescentarmos a variável do clima, que interfere diretamente no rendimento das lavouras.

E como trabalhar isso?

É realmente desafiador, mas temos de agir com consciência clara sobre todas essas dimensões. Uma delas é a redução das emissões de GEE nos sistemas alimentares e, nesse sentido, é preciso pensar em toda a cadeia, que vai desde o transporte até a utilização de fontes de energia renováveis e a gestão de resíduos sólidos. Eu disse, há pouco, que 800 milhões de pessoas passam fome no mundo, mas, só nos EUA, 30% dos alimentos terminam no lixo todos os dias. Isso é inaceitável e mostra como temos muito a melhorar no sistema alimentar.

Em termos de emissões, apesar do grande foco ser o setor energético, vejo que a agropecuária tem muito a contribuir, não só reduzindo as suas emissões, mas também sequestrando carbono para contribuir como equilíbrio de emissões de outros setores.

Como assim?

O sequestro de carbono é um processo natural, que já ocorre há 8 milhões de anos. Sempre houve animais se alimentando em pastagens naturais, mas com equilíbrio. Nos últimos tempos, o problema de muitos locais foi o sobrepastoreio (quando o produtor cria mais animais do que a pastagem suporta). Isso faz com que a quantidade de carbono que entra no solo, como resíduos vegetais e esterco, seja menor que a quantidade de carbono que se perde, resultando na degradação do solo e em perdas líquidas de carbono que vai para a atmosfera. Nessas situações, se o pecuarista começa a fazer um manejo racional da pastagem, mantendo um nível de altura regulado, por exemplo, o solo vai se recuperando e retomando a sua função no sequestro de carbono.

O senhor comentou anteriormente que o problema dos GEE começou com a Revolução Industrial. Pode explicar?

Antes do século XVIII, havia equilíbrio. O carbono tinha um ciclo bem estabilizado, com muitos animais ruminantes, selvagens e domésticos emitindo metano, por exemplo. Na atmosfera, o CO2 era absorvido pelas plantas e essas plantas, quando morriam, serviam como adubo ao jogar carbono para o solo. Com a primeira Revolução Industrial, a humanidade começa a liberar carbono que não estava nesse ciclo na atmosfera. Primeiro com a queima de carvão e, mais recentemente, de petróleo.

Principalmente com a pandemia, não só os governos, mas também as grandes organizações, elevaram o ESG ao topo dos direcionamentos. Até que ponto isso é importante, dada a urgência climática comentada?

Hoje, o consumidor de todas as partes do mundo, inclusive em países em desenvolvimento e em especial os mais jovens, está atento às responsabilidades ESG das empresas. As minhas filhas, por exemplo, não compram determinadas marcas de roupa que não cumpram devidamente o seu papel social. Elas também não compram comida de produtores que degradam o meio ambiente. E isso é natural para elas, está introjetado. Há alguns anos, na minha juventude, ninguém pensava nessas coisas. Agora, principalmente com as consequências da pandemia, as empresas sentiram o efeito disso e entenderam que, se não tiverem boas ações ambientais, sociais e de governança (ESG), perderão clientes/consumidores.

Então as empresas estão pressionadas…

Seria ótimo se as pessoas fizessem as coisas por princípios e razões éticas, não é? Mas, sendo pragmático, historicamente é demonstrado que as coisas só mudam no mundo quando há um fator econômico empurrando. Veja, por exemplo, o setor de energia elétrica. Há 30 anos atrás, precisavam-se de US$ 1 mil para gerar 1kWatt de energia. Agora, precisam-se de cinco centavos. É por isso que não param de surgir investimentos para produção de energia renovável, como a eólica, a solar e a hidrelétrica.

Esses avanços são realmente críveis?

Olha, o greenwashing (termo que remete à maquiagem ou lavagem verde) me preocupa. Há uma série de empresas que sabem que têm de ter uma boa imagem ESG e montam atividades que parecem dedicadas a isso, mas na verdade são puro marketing. Isso está acontecendo aos montes e a vantagem é que está bem mais fácil perceber o que é real e o que não é atualmente. Além disso, o custo de um greenwashing pode ser irreversível para uma empresa.

Como identificar o greenwashing?

Estamos trabalhando forte na Columbia University e também no Uruguai para definir evidências científicas sólidas na classificação de empresas ESG. A redução da pegada de carbono, por exemplo, é uma métrica clara e uma dimensão típica do que as empresas estão reportando. No Uruguai, por exemplo, estamos tentando pegar um sistema de produção de carne baseado em pastagens naturais e medindo o impacto ambiental integrado dele, o que envolve não apenas a emissão de gases de efeito estufa, mas também o bem-estar animal, os efeitos sobre os cursos d’água, a biodiversidade, etc. Para que as autoridades uruguaias tenham resultados sérios e confiáveis nesse processo, é preciso ter indicações científicas, com protocolos para cada um dos pontos atacados.