Agrofintechs podem ser nova frente de crédito para o agro
Desafio dos novos negócios digitalizados é se integrar ao ecossistema atual, ainda dependente das negociações físicas
O potencial de oferta de crédito para o mercado brasileiro de agronegócios chegaria a US$ 90 bilhões, segundo Marina Mansur, sócia da consultoria Mckinsey. Ela avalia que, além de significativo, trata-se de um segmento com grande margem para a atuação, tanto de provedores de financiamento tradicionais, quanto de novos entrantes, caso das chamadas agrofintechs.
Marina apresentou os dados em um painel sobre o tema durante a edição deste ano do World Agri-Tech South America Summit, que aconteceu em São Paulo, entre 20 e 21 de junho.
Outro dado revelado pela executiva é que cerca de um terço dos gastos feitos pelos fazendeiros brasileiros é bancado com recursos próprios, informação captada na pesquisa anual que a Mckinsey realiza com o setor agro no mundo inteiro. Ou seja: há espaço para oferta de novas modalidades de crédito e o mercado das agrofintechs tem acompanhado essa tendência.
“Bolsos novos” para agrifintechs
Cesar Vieira Júnior, gerente Executivo, da Serasa Experian, confirma a avaliação de Marina. De acordo com ele, a instituição entrou de “cabeça” no segmento, mas com uma visão de humildade, visto que os modelos de crédito para o agronegócio passaram por séria transformação nos últimos 15 anos
“Tem toda uma mudança de acesso a dados que não havia no passado, e estamos tentando construir uma plataforma de entrega de serviços que seja organizada da forma mais prática possível”, argumenta.
O executivo da Serasa Experian lembra ainda que “bolsos novos” estão aparecendo, da mesma forma que ocorrem mudanças regulatórias a respeito dos novos instrumentos de crédito.
Entre as disposições regulatórias que o mercado de capitais traz para o universo agro estão os requisitos de sustentabilidade, ou seja, há dinheiro novo, mas ele só deverá ser concedido para quem tem compromissos de expandir a produção agrícola sem desmatamento, entre outras exigências.
Desafio é figital
A mesma digitalização que permite a rastreabilidade de gado no campo – punindo quem usa propriedades sem controle ambiental – também viabiliza o maior contato com o potencial tomador de crédito. O mercado agro adere a essa nova onda, mas não de todo, pois tradicionalmente o relacionamento cara a cara tem sido o padrão no segmento.
Apesar da jornada digital para obtenção de crédito começar a fazer parte das opções, a negociação vai envolver modelos híbridos de negociação. Essa é a avaliação de Nadege Saad, líder do setor de agronegócios no Bradesco. Para ela, é preciso ter parceiros dentro do mercado agro para entender o produtor.
Na lista de parceiros, ela cita os fabricantes de implementos, um dos mercados potenciais a serem financiados pelos novos instrumentos de crédito. É a informação derivada deles – e de outros participantes do ecossistema de agro – que pode melhorar a avaliação de riscos do produtor rural e oxigenar o mercado de crédito.
Fabrício Pezente, fundador e CEO da Traive, plataforma de gestão de crédito agrícola, concorda com Nagele e vai além ao explicar que é necessário participar de um ecossistema que, no caso dele, vai escalando de B2B (negócios para negócios) para o B2C (negócios para o consumidor).
Explicando: para chegar ao produtor rural, que não atende todo mundo, a plataforma mira em atores que já fazem parte desse universo, como as cooperativas agrícolas, tradings, indústria de insumos e alguns bancos. Essa estratégia permite combinar o uso de digitalização e amplia a diversificação de potenciais tomadores de crédito.
Um dos maiores desafios no novo cenário são os produtores rurais de menor tamanho e a agricultura familiar, que seria cerca de quatro vezes maior do que o grande mercado de agro, na avaliação de César, da Experian Serasa. Para ele, esse mercado não só precisa de crédito, como também de suporte técnico para usar de forma eficiente o dinheiro captado.
Ele também vê o risco de que as novas fontes de crédito sejam preteridas em caso de inadimplemento. Pelo relacionamento tradicional com bancos, por exemplo, é possível que os produtores rurais prefiram organizar suas dívidas com quem está mais próximo.
Nagele, do Bradesco, confirma uma assertiva de seus colegas: o relacionamento totalmente digital entre as novas fontes de crédito e seus clientes ainda vai demorar um tempo. A aposta seria num modelo de entendimento mais amplo do setor, como acontece com os bancos comerciais agrícolas dos Estados Unidos, que agem em combinação com a agilidade das agrifintechs.
“O crédito passará sempre pelo figital”, resume a especialista, falando no modelo que combina os recursos do mundo físico com o digital.