Brasil precisa consolidar os elementos da rastreabilidade, apontam especialistas
País tem todas as condições para ter um sistema transparente e integrado, mas falta engajar todos os atores
A rastreabilidade na pecuária brasileira não é um problema de tecnologia e nem de como saber o que fazer. Para Roberto Waack, membro do Conselho de Administração da Marfrig, o que falta é consolidar os elementos que fazem parte do processo. “Precisamos de uma difusão mais ampla do tema e para isso temos que ter políticas públicas para a orquestração das ações”, resumiu durante o evento Pecuária: Tendências e Oportunidades, realizado no dia 27 de abril, em São Paulo.
Waack coordenou um debate com vários participantes envolvidos com o tema, a começar com Laura Aufiero, gestora da fazenda Monte Fusco. Como representante dos pecuaristas, ela defende que é preciso eliminar os estereótipos associados ao setor, como o fato de equivocadamente ser considerado um grande vilão do desmatamento. Laura lembrou a grande maioria dos produtores está comprometido com a pecuária sustentável, mas detalhou a dificuldade orçamentária de vários produtores em aplicar a rastreabilidade do gado.
Rastreabilidade faz toda a diferença para a pecuária sustentável
O tema ganha cada vez mais importância, pois o monitoramento individual do rebanho permite identificar os produtores que estão criando o gado em áreas autorizadas. O rastreamento também funciona como um dos elementos que traz dados concretos sobre a atividade sustentável, acrescentando valor à cadeia, principalmente na exportação.
Fabiana Alves, CEO do Rabobank, destacou que o rastreamento será cada vez mais exigido no agronegócio, uma vez que as instituições financeiras também estão sendo cobradas a apresentar dados sobre redução da emissão de gases de efeito estufa, entre outros requisitos. Como são envolvidos com financiamento no agronegócio, os bancos têm avaliado os vários riscos na hora de liberar o crédito, e o risco ambiental dos produtores de gado é um deles.
Essa também é a avaliação de Fabíola Zerbini, diretora do Programa de Florestas, Uso da Terra e Agricultura do WRI Brasil. Ela aposta no diálogo e na construção de pontes entre o agronegócio e a sociedade civil, incluindo ainda governo. Para ela, a pecuária não pode mais não ser sustentável. Como praticamente 60% da produção de carne no Brasil é consumida internamente – 17% no caso da Amazônia – ela explica que a rastreabilidade não pode ser endereçada somente ao mercado externo.
Brasil pode ser protagonista global do agronegócio sustentável
Para Fabiana Villa Alves, diretora de Cadeias Produtivas e Indicação Geográfica no Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), o agronegócio precisa definir o que quer em termos de rastreabilidade. A especialista lembra que não faltam tecnologias para aplicar o processo, desde recursos de Inteligência Artificial a blockchain. Mas ela questiona que é necessário definir o escopo – originação, geração de valor etc – para aplicar o processo. Na avaliação da especialista, não há uma solução única para o rastreamento, mas é importante que exista a segurança jurídica em todas as etapas.
Já o professor da USP, Ricardo Abramovay, destacou pesquisas recentes que ressaltam a importância da produção de carne na alimentação em contraponto a avaliar o setor como grande vilão ambiental. Ele também citou levantamentos que mostram, por exemplo, a eficiência de uso de pasto na América Latina e a necessidade de diversificação das pastagens no Brasil. Para Abramovay, as melhores condições de pastagens devem estar na pauta do setor, ao lado do desmatamento zero, como priorização para a pecuária sustentável.
A ex-ministra do Meio-Ambiente, Izabella Teixeira, colocou a questão do rastreamento como um elemento da estratégia brasileira de reposicionamento como produtor mundial de alimentos. Para ela, é preciso investir em inovação e crescer “com a natureza”. O processo de colocar o Brasil como protagonista global do agronegócio sustentável também passa pelo entendimento dos modelos atuais de financiamento e das mudanças climáticas, de acordo com a Izabella.
Na avaliação dela, que é co-chair do Painel Internacional de Recursos Naturais da ONU, o Brasil não pode se colocar em desvantagem no mundo, destacando-se com a questão de desmatamento, e sim focar-se como grande produtor de alimentos de baixo carbono.