O que é rastreabilidade do gado e por que é tão importante?

A rastreabilidade tem como objetivo comprovar a origem e a qualidade dos alimentos, mostrando, entre outras coisas, que a produção é sustentável

Redação

em 13 de setembro de 2023


A rastreabilidade do gado é um conceito essencial para o setor agropecuário. Afinal, é por meio dela que a segurança e a origem dos produtos são garantidos. O monitoramento de todas as etapas da cadeia de produção garante que os alimentos não sejam procedentes de atividades que causam impactos ambientais, como o desmatamento. 

O tema é importante, também, para a economia do país, uma vez que o Brasil é um dos maiores exportadores de carne bovina do mundo. Produtos com rastreabilidade têm melhor aceitação no mercado internacional, o que abre portas para a indústria nacional. A União Europeia, por exemplo, já proibiu a entrada de mercadorias oriundas de regiões de desmatamento em todo o seu território. Além disso, o Reino Unido, Estados Unidos e Japão também já têm restrições à entrada de alimentos que tenham sido produzidos sem prezar pelo bem-estar dos animais. 

O que é rastreabilidade do gado?

Rastreabilidade, no setor agropecuário, significa o controle de cada etapa produtiva, incluindo toda a cadeia, desde a produção no campo até a chegada do alimento ao consumidor final, de forma transparente.

O conceito envolve as boas práticas do produtor: plantar ou criar animais em locais não desmatados e autorizados para a finalidade, contribuir para o reflorestamento, mitigar os impactos em áreas degradadas e cumprir as legislações do setor. Além disso, o uso consciente de recursos naturais, como água e energia, priorizando fontes renováveis, é essencial. Outras ações, como manejo do solo, diversificação de culturas e pecuária regenerativa também fazem a diferença na manutenção da sustentabilidade. 

Vale acrescentar que, dentro do escopo das boas práticas, o bem-estar dos colaboradores também é um diferencial – e isso envolve desde salários justos até a diversidade e equidade em todas as etapas produtivas. 

Esse monitoramento continua ao longo da cadeia, mantendo as boas práticas em cada etapa, como condições adequadas de armazenamento, transporte, segurança e distribuição, de forma que a rastreabilidade dos alimentos alcance os pontos de venda. 

Rastreabilidade de produtos agrícolas

A preocupação com as mudanças climáticas, aliada à necessidade de garantir a segurança alimentar, coloca a rastreabilidade como uma questão determinante no setor. Para os consumidores, conhecer a procedência dos alimentos e saber que eles não são derivados de exploração animal ou humana, ou produzidos em regiões de desmatamento, faz grande diferença. 

Mas, além da sustentabilidade, a garantia de procedência também tem um viés sanitário, uma vez que alimentos produzidos, armazenados, transportados e distribuídos de forma consciente têm menor risco de sofrerem contaminações. Por isso, a rastreabilidade é um conceito que precisa envolver cada elo da cadeia de produção e comercialização de alimentos. 

No entanto, uma das principais barreiras para o avanço da rastreabilidade é o fato de que cerca de 75% – dos 2,5 milhões de produtores nacionais – estão enquadrados como empresas de pequeno e médio porte, sem conseguirem se adequar, seja por desconhecimento sobre novas tecnologias, seja por falta de financiamento para a implementação.

Para Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade e comunicação corporativa da Marfrig, o governo tem um papel essencial na definição do tema. “É preciso criar políticas públicas ‘robustas’ de rastreamento”, defende. Segundo ele, já existem instrumentos para viabilizar isso, embora precisem ser aprimorados. “Um exemplo é a Guia de Trânsito Animal (GTA), que atualmente é usada somente para controle sanitário, mas que também pode contribuir para o monitoramento”, exemplifica. 

Como implantar a rastreabilidade na agropecuária?

Este é um dos grandes desafios do setor, que pode ser melhor resolvido com o avanço de tecnologias como blockchain, inteligência artificial e georreferenciamento, entre outras, que podem garantir a segurança de cada etapa. Porém, como mencionado, muitos pequenos produtores não têm acesso às possibilidades tecnológicas e, mesmo que entendam a sua relevância, não conseguem financiamento para implementá-las. 

Para Pianez, é por essa razão que o estabelecimento de políticas públicas para a rastreabilidade é fundamental. Em sua avaliação, seria importante identificar e monitorar todos os fornecedores nacionais de gado, um trabalho que poderia demorar entre 10 e 12 anos. “Por isso é preciso viabilizar uma política pública para promover a rastreabilidade. Isso permitiria que o Brasil pudesse mostrar a origem da produção pecuária e da carne”, destaca, defendendo que a pecuária formal não causa desmatamento.

“O que falta para que a rastreabilidade funcione é que sejam criados mecanismos financeiros para dar acesso aos pequenos produtores”, aponta o diretor. As dificuldades, segundo ele, são o baixo acesso à assistência técnica e tecnológica e a ausência de instrumentos de financiamento, como crédito rural, além de outras questões, como problemas de regularização fundiária e ambiental. 

Para a implementação da rastreabilidade na agropecuária, algumas etapas são prioritárias:

  • criar sistemas de identificação e registro para todas as etapas do processo produtivo;
  • coletar e armazenar todos os dados relacionados à origem, produção e distribuição dos alimentos, bem como suas condições de armazenamento e transporte;
  • rastrear e monitorar todas as etapas, por meio de tecnologia;
  • treinar e capacitar os pequenos produtores, de forma que tenham autonomia para utilizar as ferramentas para a rastreabilidade;
  • estabelecer políticas de financiamento, de modo que a implantação de tecnologia no campo seja viável, de acordo com o porte de cada produtor. 

Na avaliação de Paulo Pianez, o Brasil tem um dos sistemas pecuários mais avançados do mundo, o que abrange desde melhorias genéticas até técnicas que promovem a elevação da produtividade. “Não faz sentido não iniciar um processo de rastreamento dessa produção”, destaca

Roberto Waack, conselheiro da Marfrig, concorda que a implementação de uma política de rastreabilidade na cadeia completa depende de incentivos por parte do governo. “Não é algo que o setor privado consiga fazer sozinho. Uma empresa, sozinha, pode se comprometer e buscar fazer o melhor, mas se não houver um esforço conjugado, a reputação do país e o setor ficam comprometidas”, aponta.

Avanços

Apesar dos desafios, a rastreabilidade vem avançando no Brasil. Desde 2018, o Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) adota normas internacionais para identificação de bovinos, por meio de radiofrequência. O sistema é feito por códigos, que começam (no Brasil) com o número 076, seguidos de mais 12 dígitos. O número é registrado em microchips implantáveis, usados em brincos eletrônicos, bolus intra-ruminal (artefato revestido de cerâmica) ou bottoms. Tais dispositivos devem ser adquiridos somente de empresas homologadas pelo Mapa.

O Sistema Brasileiro de Identificação e Certificação de Bovinos e Bubalinos (Sisbov) organiza e armazena os dados dos animais identificados e cadastrados em uma Base Nacional de Dados (BND). O uso ainda não é obrigatório, mas é reconhecido por mercados que exigem informações sobre a procedência dos alimentos.

Além disso, a Associação Pantaneira de Pecuária Orgânica e Sustentável (ABPO) já estabeleceu, por exemplo, uma metodologia para isso e pretende criar um selo que diferencie os produtores locais, valorizando os produtos e permitindo a remuneração por seus serviços ambientais. 

A Marfrig também é uma das empresas nacionais que contribuem para o avanço da rastreabilidade na pecuária. Em sua cadeia de negócios, 100% das fazendas fornecedoras diretas são monitoradas via satélite. São 8 mil fornecedores diretos que participam do Programa Marfrig Club. Até o momento, já foram destinados US$ 30 milhões em investimentos na gestão da cadeia de fornecedores localizados nos biomas da Amazônia e do Cerrado até 2025. Além disso, 3,8 mil produtores diretos têm acesso à uma plataforma de rastreabilidade baseada em blockchain.