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Além da carne: heparina vem do boi e salva vidas

Um dos principais anticoagulantes para tratamento de doenças silenciosas, a heparina é essencial para a saúde de milhares de brasileiros

Redação

em 13 de dezembro de 2022


A heparina salva vidas. O anticoagulante faz parte de tratamentos essenciais contra trombose, embolia pulmonar e até mesmo infarto, passando por processos de hemodiálise e o tratamento de casos graves de Covid-19. O medicamento é vital para milhares de brasileiros todos os dias. Leila Denise Fiorentin Ferrari, que o diga. Há 12 anos, a Engenheira Química casada com Flávio Ferrari, só conseguiu ter a sua segunda filha devido à prescrição da heparina. Além de mãe do Mateus e Mariana, Leila é professora e pesquisadora do Curso de Engenharia Química  da Unioeste – Campus de Toledo e, faz parte da equipe que pesquisa formas de extrair a substância de maneira mais eficiente. 

Heparina: das tripas para o sangue

“A heparina é um polissacarídeo, tipo de açúcar, que consegue impedir ou prevenir a formação de trombos por meio da diminuição da coagulação do sangue”, explica ela. A particularidade da medicação está em como ela é encontrada: nas mucosas de vísceras de suínos e bovinos. Em alguns casos, também está nos pulmões e, em outros, no intestino.  

O anticoagulante só consegue ser extraído a partir de uma série de processos sequenciais constituído de reações de hidrólise, filtração, separação e purificação. Qualquer parte desta cadeia produtiva  é essencial para obter uma substância de elevada qualidade, sem oferecer risco de contaminação ao produto.  

Passar por tantas fases de processo encarece a heparina. E o efeito é sentido nos seus derivados, como a heparina sódica e a enoxparina. É aí que o trabalho da Prof. Dra.  Leila  entra!  A Engenheira Química e professora faz parte de um grupo de pesquisadores pertencentes ao curso de Engenharia Química da Unioeste, que em parceria com as empresas BRF e  Marfrig trabalham para desenvolver um processo industrial de extração, separação  e comercialização da heparina, a fim de torná-la mais acessível para todos. “Trabalho com processos de separação por membranas poliméricas, as quais podem também ser aplicadas nas etapas finais de purificação da heparina”, diz Leila.

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Reduzir o tempo de extração e o preço final do anticoagulante são dois objetivos que estão no foco do grupo de pesquisadores coordenado pela professora. A pesquisadora entende muito bem como o valor da medicação pode afetar a vida. “Eu precisei tomar injeções diárias de enoxaparina por nove meses. Na época, o custo de uma seringa era quase R$ 40 por dia. E isso foi em 2015”, diz a pesquisadora.

Do sangue para o coração

“Eu comecei no sentido contrário: fui consumidora e depois pesquisadora”, fala Leila. A história dela com o medicamento começou com uma profunda tristeza: a perda de seu primeiro filho Mateus. Em 2013, a professora teve uma gravidez interrompida com 26 semanas de gestação por sintomas de uma trombofilia não diagnosticada.

A doença causa um aumento descontrolado de coágulos no sangue, o que leva a inchaço, dor e falta de ar. Em alguns casos, pode até mesmo levar a um acidente vascular cerebral (AVC) ou a uma embolia pulmonar. Leila descobriu, depois do trauma, que a trombose era genética, mas passava despercebida na sua família por ter sintomas “silenciosos”. 

“Descobri que algumas primas minhas tiveram abortos espontâneos. Mas esse não era um assunto muito falado e nem conhecido”, diz Leila. A dor da pesquisadora se transformou em conhecimento. Munida das informações sobre a doença, ela também soube com os médicos, que a possibilidade de uma próxima gravidez se daria por meio do tratamento com heparina.

E assim, Leila ficou grávida de Mariana um ano depois da perda de seu filho Mateus. A segunda gestação já foi acompanhada com a prescrição da enoxparina injetada diariamente  na barriga, sempre no mesmo horário. “Foi uma gravidez tão tranquila, que eu fiz pilates até uma semana antes da Mariana nascer”, lembra Leila.

Mariana nasceu em 10 agosto de 2015. “Eu sempre soube que seria mãe também de uma menina”, brinca. A pesquisadora não precisa usar mais heparina no dia a dia, mas ainda recorre à medicação durante viagens longas ou quando necessita ficar sentada por muitas horas. 

Heparina: do coração para o nariz

Na época que passava pelo tratamento com a enoxparina, Leila não fazia ideia de que a medicação vinha das vísceras dos bovinos e suínos. Neste período, ela já atuava como pesquisadora na fabricação de membranas poliméricas na Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), mas não era focada no anticoagulante.

Com o estudo sobre o medicamento, veio também a visão de como os subprodutos de animais podem ajudar a sociedade e como a relação universidade-indústria é o alicerce de tudo.  A universidade, além de possuir profissionais altamente qualificados com formação nas mais variadas áreas, produz conhecimento científico e desenvolve tecnologias, enquanto a indústria com os seus processos de transformação da matéria-prima em produtos se beneficia aplicando este conhecimento, produzindo soluções tecnológicas. Com esta parceria, a sociedade é beneficiada com produtos cada vez mais tecnológicos e de elevada qualidade.  É uma parceria perfeita, a pesquisa não tem fim e o futuro é o reaproveitamento dos subprodutos industriais”, fala a pesquisadora.

Hoje em dia, Mariana tem sete anos e diz para a mamãe que quer ser cientista quando crescer, mas a menina torceu o nariz para a heparina. Literalmente. “A última vez que a levei ao laboratório, estávamos em processo de extrair a heparina da mucosa. E, vou te dizer, esse é um momento que o cheiro no laboratório não fica nada agradável. Quando ela chegou ao laboratório, fez uma careta e falou; “mamãe do céu, o que é isso? Não quero mais saber de ser cientista, só se for para mexer com perfume (risos)”, conclui Leila.