pecuaria industria farmaceutica  

Além da carne: como a pecuária abastece a indústria farmacêutica 

Pecuária é fonte de vários subprodutos aplicados na indústria farmacêutica e na medicina, como produção de vacinas e tratamento de artroses

Redação

em 3 de fevereiro de 2023


A pecuária vai muito além da produção de carne para consumo humano. Um dos exemplos da diversidade do setor é o fornecimento de matéria prima para a indústria farmacêutica e mesmo para o segmento de cosmética. É o caso da heparina, um dos principais anticoagulantes para tratamento de doenças silenciosas, e essencial para a saúde dos brasileiros. 

Heparina vem do boi e salva vidas

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A heparina é usada no tratamento contra trombose, embolia pulmonar e até mesmo infarto, passando por processos de hemodiálise e o tratamento de casos graves de Covid-19, conforme detalha esta matéria do Prato do Amanhã. Polissacarídeo, ou seja, um tipo de açúcar, a heparina consegue impedir ou prevenir a formação de trombos por meio da diminuição da coagulação do sangue. 

A particularidade da medicação está em como ela é encontrada: nas mucosas de vísceras de suínos e bovinos. Em alguns casos, também está nos pulmões e, em outros, no intestino.  

O anticoagulante só consegue ser extraído a partir de uma série de processos sequenciais constituído de reações de hidrólise, filtração, separação e purificação. Qualquer parte desta cadeia produtiva é essencial para obter uma substância de elevada qualidade, sem oferecer risco de contaminação ao produto.  

Uma das metas atuais é reduzir o preço da heparina, pois a cadeia de produção encarece o anticoagulante e seus derivados. Esse trabalho tem sido encampado pela área de Engenharia Química da Unioeste, que em parceria com as empresas BRF e Marfrig trabalha para desenvolver um processo industrial de extração, separação e comercialização da heparina, a fim de torná-la mais acessível. 

Soro fetal bovino para vacinas 

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O soro fetal bovino (FBS) é outro subproduto da pecuária que tem uma aplicação importante na indústria farmacêutica, sendo utilizado, entre outras aplicações, das células-tronco às vacinas. Altamente proteico, o FBS é utilizado para cultura celular in vitro. Ele é um suplemento que tem grandes concentrações de albumina, uma proteína que “alimenta” as células em um meio para que elas possam sobreviver, crescer e se dividir. Assim, os cientistas conseguem fazer testes usando células humanas no laboratório.

O FBS é um dos constituintes mais abundantes das culturas de células em laboratórios, sendo que de 1% a 15% das soluções usadas nesses espaços utilizam o soro fetal bovino. Pesquisas mostram que o sérum tem mais de 1,8 mil proteínas e 4 mil metabólitos.

O soro também atua como um tampão para o sistema de cultura celular contra uma variedade de efeitos tóxicos que podem interromper o crescimento celular, como mudança de pH, atividade proteolítica ou presença de endotoxina. Isto traz segurança para as pesquisas de células em espaços controlados.

Outra utilização do FBS é nas vacinas. Alguns dos principais imunizantes utilizam bactérias ou vírus enfraquecidos para que o corpo crie anticorpos. Esta é a ideia fundamental por trás do soro fetal bovino nas vacinas. Eles contêm uma forma morta ou enfraquecida de uma bactéria, ou vírus portador de doença que desencadeia a produção de anticorpos e protege contra o desenvolvimento futuro da doença.

Na maioria das vezes, o FBS é usado como parte do meio de crescimento no qual as vacinas são estudadas, cultivadas e colhidas. Na verdade, ele não existe na própria vacina final. Em vez disso, suas proteínas macromoleculares são usadas como nutrientes e outros fatores de crescimento permitem a rápida proliferação das células desejadas.

Colágeno na indústria farma e de cosméticos

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Além da indústria farmacêutica, a pecuária também é parceira do segmento de cosmética. E, em alguns exemplos, atua nos dois campos simultaneamente. É o caso da cartilagem bovina, fonte de colágeno e controitina

Os dois são encontrados nas cartilagens, tecidos que recobrem as articulações. Mais conhecido, o colágeno é uma substância aplicada em produtos que vão de cremes e esmaltes, na área cosmética, até a gelatina usada na fabricação de medicamentos, filmes radiológicos e chicletes. Na verdade, são dois tipos de colágeno: (1) o utilizado na estética, principalmente em aplicações dermatológicas, e que é retirado de uma camada logo abaixo do couro do boi. Já o colágeno medicinal (2), é retirado também das cartilagens e pode ser utilizado como remédio para as nossas articulações.

O colágeno sozinho é uma potência para a indústria cosmética e o boi é a principal fonte do produto. Estruturalmente, estamos falando da proteína mais abundante dos animais, inclusive nos seres humanos, onde responde por 30% do total de proteínas. Mais do que volume, trata-se de uma proteína estável à temperatura, ação mecânica e hidrólise, em função de forma fibrilar e em uma estrutura chamada tripla hélice.

Outro produto da cartilagem bovina para a saúde humana é o sulfato de condroitina. De uma forma simplificada, ele vem sendo usado para repor a água que vamos perdendo ao longo do tempo nas nossas cartilagens, entre joelho, cotovelo e outras articulações. Também conhecido como condroitina, o subproduto da pecuária vem sendo adotado no tratamento da osteoartrite, doença articular degenerativa em seres humanos e animais, que causa dor e limitação dos movimentos. 

Normalmente, a condroitina é usada em conjunto com glucosamina, na forma de suplementos, com foco no tratamento de artrite, artrose e dor nas articulações. Elas têm propriedades anti-inflamatórias, ajudando a lubrificar, regenerar e manter a elasticidade das cartilagens nas articulações e podendo reduzir a dor e a inflamação gradualmente ao longo do tempo.

Fígado bovino é “sinônimo” de ácido fólico

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Outra contribuição valiosa da pecuária para a indústria farmacêutica e medicina é o ácido fólico, também conhecido como folato e vitamina B9. Ele é fartamente encontrado no fígado bovino e participa de  várias funções no organismo, principalmente na formação das células responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento humano. 

O folato é importante para o funcionamento do sistema nervoso em todas as idades e há algumas evidências de seu envolvimento no envelhecimento cerebral, especialmente no humor e na função cognitiva. Ele também contribui para a saúde do sistema imunológico e pode prevenir doenças como câncer e demência. 

O ácido fólico tem sido indicado para vários tipos de situações, desde gestantes até a aplicação em processos de rejuvenescimento. Há uma ampla literatura médica mostrando que a deficiência dele pode causar problemas como anorexia, náuseas, vômitos, diarreia e ulcerações orais. 

Veja mais detalhes sobre ácido fólico, colágeno, soro fetal bovino e heparina em conteúdos da série especial Além da Carne, do Prato do Amanhã.