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Algas e aditivos reduzem até 90% a emissão de metano dos bois, diz Ermias Kebreab

Líder nas pesquisas sobre aditivos alimentares nos Estados Unidos, Ermias Kebreab fala sobre a “carne do amanhã” em entrevista exclusiva

Redação

em 29 de junho de 2022


A carne do amanhã terá algas. Ou melhor, o prato do amanhã dos bois será composto de pasto, mas também de algas. Pesquisas na Austrália e nos Estados Unidos mostram que certos aditivos alimentares, vindo de algas vermelhas, podem reduzir entre 80% e 90% a emissão de metano dos bois. O Prato do Amanhã entrevistou Ermias Kebreab, diretor do Food Center da UC Davis, na Califórnia, e um dos líderes na pesquisa na redução do metano nos animais. 

“A redução de emissões de metano em 1,5% ano a ano pode levar a neutralidade da indústria [pecuária] até antes de 2050“, disse Kebreab. O professor explica que as algas já fazem o trabalho de “limpar” o metano das águas, e têm compostos químicos que podem ajudar também os bovinos. 

O pesquisador recentemente lançou um TED Talk onde fala sobre parte dos seus achados, e também defende a inovação que liga a agropecuária ao menor impacto climático.  

Para Kebreab, a produtividade do gado e a sustentabilidade do setor não são assuntos que se excluem, mas que se complementam. A carne sustentável, para ele, é o futuro nutricional da população. “O que quero dizer é: no nível individual, é possível ter essa escolha. Mas quando falamos de bilhões de pessoas, é preciso ter opções alimentares com densidade nutricional”, disse o professor. Confira a entrevista:

Você nasceu na Eritreia, na África Ocidental. Como isso influenciou a sua escolha de carreira para se tornar biólogo e se especializar na indústria pecuária?

Ermias Kebreab – Mesmo tendo privilégios, eu não tinha acesso a leite ou carne todos os dias na Eritreia quando eu era pequeno. Eram no máximo três vezes por semana. A carne era algo que aparecia nos pratos em ocasiões especiais. Eu fiquei curioso para saber porque não poderíamos comê-la com mais frequência. Além disso, observar como os animais comem grama e ainda obtém proteína de qualidade me fez debruçar sobre biologia. Estudei o tema na universidade na Eritreia e fui fazer uma pós-graduação na Inglaterra. 

Já na Inglaterra, me interessei sobre o tema da produtividade. Era 1998, quando começaram a falar mais e mais sobre o protocolo de Kyoto. O assunto ficou quente, então mudei um pouco o foco da minha pesquisa: não só melhorar a produtividade, mas também olhar para o impacto ambiental.

Parte importante do meu trabalho é exatamente perpetuar a ideia de que melhorar a produtividade do gado e a sustentabilidade não são assuntos mutuamente excludentes. 

Há mais de dez anos você atua tanto na pesquisa em gado nos Estados Unidos como na criação de soluções para a pecuária em países em desenvolvimento. Qual é a importância de aumentar a produtividade do gado em países fora do eixo Estados Unidos e Europa?

Ermias Kebreab – Existe uma lacuna grande entre as produções. Na Califórnia, as vacas-leiteiras produzem cerca de 40 litros de leite por dia. Em muitos dos lugares onde trabalhamos, países da África e do Sul da Ásia, essa média está em cinco litros por dia. Então há espaço para crescer a produtividade em oito vezes, em alguns casos até 10 vezes. E isso acaba também afetando a emissão de carbono por quilo de leite. Em lugares com produtividade mais alta, se emite menos.

A população está aumentando, principalmente em países em desenvolvimento. E será necessário que eles tenham mais animais para equilibrar essa produção alimentícia. Com a produtividade baixa, mais e mais animais serão exigidos para poder fechar essa conta. Mais animais significa mais impacto financeiro. Acertar o gap da produtividade será o passo necessário para que esses países possam ter quantidade de nutrientes para a população sem, necessariamente, aumentar tanto a quantidade de gado.

Por isso, precisamos entender como vamos alimentar a população. Não só alimentar, como também atender às necessidades nutricionais de todos no planeta. Um dos pontos que levamos para outros países é isso: entender o valor nutricional das plantas que estão em volta do gado e entender progresso nesse sentido.

A sua pesquisa é focada em reduzir a fermentação entérica dos bois, por meio da alimentação. Poderia explicar um pouco mais sobre o tema?

Ermias Kebreab – Há pelo menos 30 maneiras diferentes de reduzir a emissão de metano dos bois e vacas. Fui um dos pesquisadores que levantou esses dados para a FAO [Food and Agriculture Organization da ONU]. No trabalho que fiz em conjunto com dezenas de pesquisadores achamos esse número final: 30 maneiras diferentes para reduzir a emissão de metano enantéreo. Ou seja, existe muita oportunidade olhando para vários fatores, como gerenciamento e nutrição dos animais.  

A mudança de dieta dos animais pode fazer diferença. Um exemplo é aumentar o uso de lipídeos na dieta dos bois. Isso porque o metano é produzido a partir da digestão da fibra. A fibra é digerida pelos animais e ela cria hidrogênio. Quanto mais hidrogênio é formado, mais ele emite. Os lipídeos podem inibir a produção do hidrogênio e reduzir a produção de metano.

Como o lugar onde o gado está influencia nos tipos de aditivo que ele pode receber na alimentação?

Ermias Kebreab – A nutrição dos bois pode ser alterada de acordo com o lugar onde eles estão. Em países tropicais, por exemplo, as plantas contêm mais taninos. E o tanino pode também ajudar a reduzir as emissões de metano dos bois. Depende do tipo de tanino e do quanto está lá. Tudo isso ajuda a reduzir emissões.

Além disso, há pontos como o processamento do alimento do boi, bem como melhorar o gerenciamento do pasto que pode contribuir para o assunto. Em lugares como o Brasil, melhorar o gerenciamento do pasto é essencial para reduzir as emissões de metano, pois isso torna o pasto brasileiro, que já é bastante bom, ainda mais nutritivo e digestível para os bois.

É possível usar aditivos específicos na alimentação do gado. No Vietnã usamos a ureia, muito porque os criadores usavam palha de arroz para alimentar o gado e ela não tem tantos nutrientes, além de gerar mais hidrogênio quando degrada. A palha de arroz, portanto, não é boa nem para os animais nem para o meio ambiente. Acrescentamos a ureia no tratamento da comida e houve uma melhora considerável na qualidade nutricional dos animais.  

Há pesquisas mais avançadas com relação a aditivos nas comidas dos bois para redução de metano?

Ermias Kebreab – Muitos países já têm discussões sobre autorizar os aditivos alimentares para o gado. Estamos trabalhando com alguns tipos diferentes de aditivos alimentares nos últimos seis anos. O Brasil aprovou o uso do Bovaer [aditivo da DSM], que pode reduzir a emissão de metano há poucos meses. A União Europeia e o Chile também aprovaram. 

A pesquisa que fazemos é usando um tipo de alga marinha para ser um aditivo natural à dieta bovina. Na Austrália, as pesquisas mostram que houve redução entre 80% a 90% no total de emissão de metano dos bois. É um número considerável e importante. Mas esse tema ainda está em fase experimental. Precisamos de um pouco mais de trabalho para entender todas as consequências que a alga pode trazer para o animal, e também compreender como isso chega à mesa das pessoas. Mas é um meio interessante e muito “quente” hoje em dia. Há dezenas de companhias tentando entrar nesse espaço, procurando soluções. 

A sua pesquisa sobre o uso de algas vermelhas como um possível produto natural capaz de diminuir a fermentação interna dos bois também está em passos avançados? Poderia falar um pouco mais sobre ela?

Ermias Kebreab – A pesquisa começou com uma pergunta: como as algas são tão eficientes em reduzir as emissões de metano no oceano? Rastreamos os tipos de algas que geram maior impacto no oceano e vimos quais tipos de compostos químicos haviam ali. 

No laboratório, a redução da emissão de gases em animais foi de 100% com a adição de apenas 2% de algas. Esses resultados vieram em 2016 e, desde então, estamos pesquisando in vitro e também em fazendas leiteiras na Califórnia. No dia a dia da fazenda, vimos boas reduções e depois migramos para também chegar ao gado de corte. A redução de emissão de metano com a alga é real, acontece mesmo.

Do lado negativo, e é o que estamos tentando acatar, é que a alga produz bromo, que pode ser ruim para a camada de ozônio. Além disso, tem chance de produzir iodo. E é preciso dosar a quantidade de iodo nos bovinos. Para reduzir o iodo, estamos apostando na produção das algas em um ambiente controlado. 

Para alguns, a saída mais sustentável da alimentação mundial seria parar o consumo da carne. Qual a sua opinião sobre o tema?

Ermias Kebreab – Na minha visão, as pessoas são livres para comer o que quiserem. O meu problema está em quando elas tentam convencer a todos que existe apenas uma alternativa saudável para se alimentar. E essa alternativa saudável depende de acesso a suplementos e a uma variedade alimentar que não é aberta para a toda a população do mundo.

É absolutamente factível ser vegetariano e ser saudável. Mas a maioria das pessoas do mundo não tem esses luxos, não pode suplementar a alimentação e também não pode acrescentar zinco e b12. Quando olhamos para alimentos, podemos ser capazes de analisar 10 ou 20 macrominerais e até 20 microminerais, mas não entendemos totalmente a matriz alimentar, complexa. A matriz alimentar mostra como os alimentos interagem, como se absorve ferro, precisa de vitamina D, por exemplo. Tudo está relacionado, como fósforo e cálcio. E as carnes vegetais ainda não conseguiram suprir tudo isso. Principalmente para grande parte da população mundial. A alimentação com proteína animal é algo que nossa espécie conhece há milhares de anos e que sabemos que funciona. 

O que quero dizer é: no nível individual, é possível ter essa escolha. Mas quando falamos de bilhões de pessoas, é preciso ter opções alimentares com densidade nutricional. A carne e o laticínio são esses alimentos. São densos em nutrientes, não é preciso comer muito para absorver os nutrientes. E isso é de extrema importância quando falamos de áreas remotas ou de populações em risco que precisam de nutrientes. 

Qual é a importância da carne sustentável quando falamos do prato do amanhã?

Ermias Kebreab – Sustentabilidade: podemos olhar métricas, mas o que olhamos mais é a contribuição sobre a mudança climática. Queremos que a agropecuária não contribua para a emergência climática dos paises. Os Estados Unidos se comprometeram a tornar a pecuária de corte neutra até 2040. Já a pecuária leiteira tem a meta de 2050. E esses são objetivos possíveis.

A redução de emissões de metano em 1,5% ano a ano pode levar à neutralidade da indústria [pecuária] até antes de 2050. Temos muitas ideias, e muitas maneiras de chegar nisso. E reduzir 1,5% ao ano não será um problema. Assim que os aditivos chegarem ao mercado, poderemos chegar a essa redução de 1,5% rapidamente.