Cadeia da carne não começa na fazenda e sim no consumidor, diz Andrea Mesquita 

Fundadora do Território da Carne, Andrea Mesquita, fala sobre como a inovação no setor deve ser voltada para o consumidor

Redação

em 20 de maio de 2022


As grandes empresas de tecnologia como Amazon, Apple e Facebook já seguem um único credo: o consumidor é o centro de tudo. Para inovar, o segmento de carnes deve seguir o mesmo caminho. É o que defende a fundadora do Território da Carne e cofundadora do programa Carne 4.0, Andrea Mesquita.

“Temos de investir tempo estudando o boi e o processo produtivo? Com certeza! Mas devemos investir muito mais conhecendo nosso “novo” cliente!”, comentou a executiva em entrevista exclusiva ao Prato do Amanhã. De acordo com ela, o mercado brasileiro pode chegar no “4.0” e na inovação ao colocar todas as pessoas, desde consumidores até os produtores, no centro das operações. Confira a entrevista!  

Quais são os maiores desafios do mercado da carne no Brasil?

Andrea Mesquita – Entender que o consumidor não busca mais por carne. Ele busca por soluções em alimentação. Com isso, no meu ponto de vista, o desafio está em nós – como cadeia – que devemos entender que não vendemos mais carne. 

O que pode ser feito de maneira prática para a pecuária crescer de forma sustentável e produtiva?

Andrea Mesquita – No campo, podemos dizer que pode ser feito com prioridade a melhoria do manejo. Grande parte da ineficiência está no mau manejo dos animais, da terra, do pasto e até mesmo das pessoas. Essa última que quero aprofundar: os processos começam e terminam em pessoas. Se queremos uma pecuária mais sustentável e produtiva, temos de dar a elas condições melhores de trabalho, de desenvolvimento, de engajamento, de comprometimento na causa. Somente a partir disso seremos capazes de produzir melhor e, quando possível, implantar tecnologias no campo para aumentar a eficiência e a qualidade, ampliando o valor agregado. 

Qual é o elo da cadeia produtiva que precisa de mais atenção e como ele andar junto aos outros, considerando que a ponta, o consumidor, muda com muita rapidez?

carne consumidor

Andrea Mesquita – Não acredito que tenha um elo que precise de mais atenção que outro. Temos de caminhar juntos, estando cada elo comprometido a cumprir as tarefas que lhes cabem e com a consciência de que ele faz parte do todo e não se basta sozinho. Dito isso, destaco: O produtor precisa se atentar ao uso da terra e tomar seu lugar de responsabilidade para que as produções sejam cada dia mais eficientes. E isso exige foco  em regeneração, muito mais do que sustentabilidade. 

Já o frigorífico deve entender que a prestação do serviço de abate e desossa deve preconizar por atender aos mercados e por isso ele deve se posicionar como um verdadeiro consultor ao pecuarista, que deveria – na base da transparência e planilha aberta – saber qual modelo de produção e produto são mais rentáveis, de acordo com o mercado. 

O varejista precisa usar mais o contato com o consumidor para nortear os elos anteriores sobre as atualizações de demanda, comportamento, tendência e, assim, buscarem juntos atender com o máximo de excelência e eficiência aquele que paga a conta da cadeia da carne: o consumidor. A esse último, por fim, cabe seguir determinando o que quer.

Para todos os elos, vale a lição de casa de estudar mais a respeito da ciência do consumo, uma agenda de extrema relevância em qualquer segmento e que aponta o que está por trás das mudanças de comportamento do comprador, norteando o caminho que devemos seguir. 

Quais são as inovações que já existem e podem ser aplicadas para melhorar o mercado?

Andrea Mesquita – Como para mim a cadeia da carne não começa na fazenda e sim no consumidor, sob meu ponto de vista, o que precisa mudar para transformar o mercado é não só gerar dados sobre este comprador e o que ele tem buscado, mas também estudar este dado e transformá-lo em informação e depois em ação. 

Hoje, já temos tecnologias que nos auxiliam nisso, como machine learning, inteligência artificial, eye tracking, entre outras. É possível, inclusive, determinar o tempo dele dentro da loja, para onde olhou primeiro, qual tipo de embalagem chamou mais a sua atenção, quanto tempo faz que ele não compra determinado produto, entre inúmeras outras ações que já são ou podem ser aplicadas. 

Como a mudança de hábito alimentar da população está puxando a inovação do setor de proteína? 

maxres

Andrea Mesquita – A mudança não é de hábito alimentar. É de estilo de vida e, com isso, surgem adaptações na forma de comer. O consumidor está com pensamento acelerado, fadiga excessiva, irritação, déficit de concentração, déficit de memória, insatisfação, humor flutuante, etc. O ritmo de construção do pensamento do homem moderno acelerou de um século para cá e isso se deve ao excesso de informações, estímulos, estresse e preocupações sociais. Como a gente não gerencia e aquieta nossos pensamentos, o cérebro começa a nos proteger. Como? Desligando-o. A nossa memória fica péssima, tudo isso, na realidade, acontece porque o cérebro tem mais juízo do que nós mesmos. Ele fecha as janelas da memória para pensarmos menos e gastamos menos energia.

É aí que entram os estímulos visuais da indústria do alimento que, sabendo disso, o tempo todo cria novos e milagrosos produtos alimentícios para trazer este conforto “fake” para o consumidor sentir que está fazendo uma boa escolha. Moral da história: temos de investir tempo estudando o boi e o processo produtivo? Com certeza! Mas devemos investir muito mais conhecendo nosso “novo” cliente! 

Pensando em novos modelos de negócios, o que é possível de se adaptar para o setor? 

Andrea Mesquita – Pensando na cadeia completa, um modelo de negócio que me agrada é do cliente parar de comprar corte de carne e passar a comprar escolhas de alimentação para aquele dia. Explico: na terça feira quer algo prático e que suje pouca louça. Então ele sabe como encontrar isso no mercado ou no açougue. Na quinta ele quer comer rapidinho, mas não está a fim de cozinhar. Então conta com opções de proteína com cara de comida de verdade, sem grandes processamentos industriais. No sábado quer reunir amigos e confraternizar com responsabilidade e boa relação custo x benefício. Aí ele consegue atingir esse objetivo com auxílio das marcas que entenderam que não vendem carne, mas sim soluções para o consumidor investir mais tempo em si e nas suas atividades do que na escolha dos produtos. 

No Território da Carne vocês fazem cursos sobre a Casa de Carnes 4.0: como é isso e o que a carne precisa para se tornar 4.0?

Andrea Mesquita – Uma casa de carnes 4.0, resumidamente, é aquela que entende que as pessoas estão no centro: o cliente, o colaborador, o fornecedor, os parceiros. E, com isso, desenvolve processos que são capazes de abastecer e justificar o porquê ela existe. Por aqui no Território da Carne, provocamos demais o empresário – nosso aluno – para que ele se descubra como um importante player da cadeia, com o grande compromisso de trazer melhoria de vida à comunidade local. Incentivamos a redução das perdas e desperdício de recursos, educamos e ensinamos como cobrar mais qualidade de seus fornecedores – melhorando a cadeia como um todo – sinalizamos quais técnicas na loja mais convertem em bons negócios, entre tantas outras ferramentas para que esse importante tipo de varejo exista por muitos e muitos anos.