Descarbonização da agropecuária agrega valor e competitividade, mostram especialistas

Em evento, especialistas da Embrapa, Marfrig e Minerva Foods mostram caminhos para a descarbonização da agropecuária

Redação

em 9 de maio de 2022


A pecuária brasileira tem o desafio de eliminar a emissão de 1 bilhão de toneladas de CO² equivalentes ao ano. As fazendas respondem por boa parte desse desafio, que deve ser enfrentado em três frentes principais: mudança no uso do solo, melhoria no manejo dos animais e avanços na fermentação entérica do gado. O resumo é de Celso Manzatto, pesquisador sênior e coordenador da Plataforma ABC, da Embrapa Meio Ambiente. Ele, assim como os demais profissionais citados neste texto, palestraram na “Arena de Inovação: a descarbonização para agregação de valor à pecuária”, realizada durante a feira de negócios do setor de alimentos Anufood 2022, em abril.

A Plataforma ABC, coordenada por Manzatto, endereça ações para monitorar e reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) na agropecuária nacional. “Sobretudo as ações previstas e em execução pelo Plano ABC”, pontua a apresentação oficial do plano no site da Embrapa. Nesse sentido, explica Monzatto, desde os anos 1990 – quando o setor assumiu o compromisso mundial de trabalhar na redução dos GEE – já houve 10% de redução na emissão de gás metano por cabeça de gado. “Isso se fez com tecnologias, reduzindo, entre outros avanços, o tempo de abate de cinco anos para o atual um ano e oito meses”, diz ele.

O metano e os GEE na descarbonização da agropecuária

O gás metano é emitido no processo digestivo natural dos bovinos e é o segundo gás de efeito estufa mais nocivo para o aquecimento global. Por isso, quanto menor o tempo de abate, menos metano se emite para a atmosfera.

O Protocolo de Quioto (1997) regulou que os gases de efeito estufa são o Dióxido de Carbono (CO2), o Metano (CH4), o Óxido Nitroso (N2O), o Hexafluoreto de Enxofre (SF6), o Hidrofluorcarbono (HFC) e o Perfluorcarbono (PFC). Cada um deles tem determinado peso potencial para o aquecimento global e é assim que se estabelece a equivalência com o dióxido de carbono (CO2). 

O metano, segundo as Organizações das Nações Unidas, tem 21 vezes mais potencial de aquecimento global que o gás carbônico, por exemplo. Ou  seja, a sua equivalência é 21 e isso explica por que ele tem sido um dos focos de combate nas ações climáticas, principalmente após as discussões levantadas durante a COP-26, realizada em novembro do ano passado na Escócia.

A agropecuária reserva atenção especial ao metano, já que seria responsável por 150 milhões de toneladas anuais de CH4. A maior parte disso vem da criação de gado, mas outras atividades agropecuárias, como o cultivo de arroz, também contribuem consideravelmente, como mostra reportagem do jornal Nexo. “Diante desse cenário, o plano ABC evoluiu com dados e metas para lançar a calculadora GHG Protocol Agropecuário, pela qual se pode calcular as emissões equivalentes por cabeças de gado, por rebanhos ou mesmo por área agrícola”, diz Manzatto. 

O especialista acredita que a tecnologia permitirá intervenções mais focadas, que ajudarão o setor a reduzir o atual índice de 4 mil toneladas de CO² equivalentes emitidos por cada bovino durante a sua vida.

Taciano Custodio, diretor de sustentabilidade da Minerva Foods, acompanha a implantação da ferramenta em 23 fazendas brasileiras e pontua que ela já tem ajudado em ações avançadas para melhoria de pastagens degradadas, integração lavoura-pecuária-floresta e melhor manejo de pastagem. “Das 23 fazendas que passaram a ser melhor monitoradas, descobrimos que 11 já são carbono positivo. Isso mostra que a simples mensuração é um passo importante para comprovar a qualidade da pecuária brasileira”, diz ele.

A Calculadora GHG Protocol foi desenvolvida em parceria pelo Instituto Mato-grossense da Carne (Imac), o Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), a Embrapa, o World Resources Institute (WRI Brasil) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ela faz o cálculo online de GEE, utilizando metodologia específica para áreas tropicais, como o Brasil.

Carne carbono neutro

Para Roberto Giolo, pesquisador da Embrapa Gado de Corte, o Brasil tem várias possibilidades de melhoria na redução das emissões de gases de efeito estufa e todas estão em linha com o décimo terceiro Objetivo de Desenvolvimento Sustentável da ONU (ODS 13), que rege as Ações Contra a Mudança Global do Clima. “Até o ano passado, mapeamos 17,4 milhões de hectares de área potencial para produção de carne carbono neutro. Estimamos que há mais 10 milhões de hectares/ano como potencial até 2030”, adianta.

Esses números compõem os estudos realizados para o estabelecimento da marca conceito Carne Carbono Neutro, cujos estudos iniciaram em 2015 e o produto foi lançado sob a Marca Viva pela Marfrig, em 2020. “A agropecuária brasileira precisa mostrar a realidade e os seus aspectos positivos, inclusive para a segurança alimentar mundial, já que devemos chegar a 10 bilhões de habitantes no planeta até 2050”, diz Paulo Pianez, diretor de sustentabilidade e comunicação corporativa da Marfrig na América do Sul.

A demonstração de ações de baixo carbono na pecuária, segundo ele, são importantes, tanto para a população quanto para o consumidor e investidores interessados na nova economia (ou economia verde). “Esse desafio deve estar explícito em números: o Brasil tem 2,5 milhões de propriedades que produzem gado de corte atualmente e cerca de 85% delas estão nos biomas da região Amazônica e do Cerrado, dois locais de extrema importância e sensibilidade para a natureza”, diz. “Não por menos, os avanços em manejo adequado no pasto e a integração lavoura-pecuária-floresta, além da evolução genética – que está ligada à redução do tempo de abate e, consequentemente, à redução de emissão de gás metano – precisam ser fortemente endereçadas por meio de protocolos efetivos”, salienta ele.

A carne carbono neutro, segundo Pianez, condensa essa demonstração ao abranger as metas dos escopos 1 e 2 do GHG Procotol, além de endereçar as principais metas do escopo 3, acordo com as recomendações da Science Based Targets. “Para isso, mapeamos 150 fazendas produtoras atualmente e estamos avançando para o monitoramento de 400 fazendas, transformando-as em produtoras de ponta no que tange a redução de emissões na cadeia produtiva de carne”, revela o executivo.

Segundo ele, o reconhecimento do consumidor ainda é um desafio, mas isso tende a arrefecer nos próximos anos, dada a maior conscientização mundial sobre as necessidades climáticas. “Temos o cuidado de comunicar apenas o que está aplicado, pois entendemos que a profusão de informações e de métricas dificulta a implementação de modelos de baixo carbono. Além disso, é preciso combater o greenwashing, principalmente no cenário complexo que é o rebanho brasileiro, onde 75% das propriedades são pequenas, mantendo entre 50 e 100 cabeças de gado, e chegar a esses produtores pulverizados é um grande desafio”, salienta.

O executivo conclui que não existe produção sustentável que não seja rentável. “Por isso é preciso buscar viabilidade para toda a cadeia produtiva da carne, inclusive com acesso de crédito de carbono aos pequenos produtores”, diz. “O Brasil ainda atua por exclusão e isso impede que nos tornemos mais competitivos, inclusive na implantação das ações sustentáveis”, finaliza.