“O olho do dono engorda o gado”, lembra Pedro Henrique Mannato
Câmeras 3D portáteis usam visão computacional e inteligência artificial para realizar a pesagem do boi no próprio pasto
O bem-estar animal está na pauta do agronegócio há algum tempo e, inclusive, faz parte das exigências de alguns países para a importação de carne bovina. E o motivo é muito simples, a questão deixou de ser uma filosofia para se firmar como uma técnica de manejo que, comprovadamente, apresenta melhores resultados na produção e produtividade da fazenda, além de ser sustentável.
Na pecuária de corte, uma situação bastante comum nas fazendas é a pesagem convencional, via balança. Nestes casos, vaqueiros conduzem o rebanho, que é levado do pasto ao curral, e algumas falhas podem acontecer nesse processo. As grandes distâncias percorridas, por exemplo, alteram o peso do boi (na maioria das vezes para menos), além de ser uma situação que estressa o animal.
A tecnologia vem se aproximando cada vez mais do agronegócio. Com diferentes finalidades, algumas se propõem a otimizar a gestão, outras mantêm o foco no bem-estar animal e na sustentabilidade de toda a fazenda. Sobre o tema, conversamos com Pedro Henrique Mannato, diretor-executivo da startup Olho do Dono, que oferece uma solução que otimiza a pesagem e a contagem do gado no pasto, eliminando a necessidade do rebanho percorrer longas distâncias.
Como surgiu a startup Olho do Dono?
A startup Olho do Dono foi criada há 9 anos. Um ano antes de começarmos, um amigo estava prestando consultoria na área de agro, me chamou e contou uma dor do criador de gado. Segundo ele, a pesagem era considerada um grande desafio para a gestão da fazenda. Eu como venho da área de tecnologia (mestre em ciências da computação), passei a refletir sobre isso. Como poderia melhorar a pesagem do animal e ajudar na gestão da fazenda, sem comprometer o seu bem-estar? Depois de um tempo de estudo (e também muitas ideias descartadas), surgiu a Olho do Dono, que uniu a visão computacional e a inteligência artificial no desenvolvimento de uma técnica inovadora para a pesagem do boi, via câmeras 3D portáteis. Vale ressaltar que a tecnologia também funciona para suínos.
A solução oferecida pela Olho do Dono consegue, então, sanar uma dor do fazendeiro?
Exatamente. O manejo do gado para a pesagem tradicional leva de 6 a 12 horas, dependendo da distância do pasto até o curral e da quantidade de animais. Qual foi o ponto de partida: otimizar esse tempo de manejo, até pensando no bem-estar do rebanho. Além disso, estudos indicam que o gado pode perder peso nas idas ao curral. Então, hoje temos uma solução prática em todos os sentidos, e que permite ao gestor da fazenda tomar algumas decisões baseadas nos números registrados pelo software da Olho do Dono. A máxima “o olho do dono engorda o gado” faz todo sentido para nós.
Poderia nos explicar como a câmera 3D funciona para pesar os bois diretamente no pasto e qual é a precisão dessa tecnologia?
Em termos de estrutura, é muito simples. É um equipamento pequeno, leve, portátil e de fácil instalação. Além disso, ele opera off-line, ou seja, não precisa de conectividade e internet para funcionar no pasto. É claro que ao entrar em rede, os dados sobem para a nuvem da Olho do Dono e ficam registrados lá também.
Em linhas práticas, o equipamento precisa ser instalado a pelo menos três metros de altura, em um corredor por onde o boi passa. A câmera registra a imagem. O software aplica técnicas de visão computacional, ciência de dados e Inteligência Artificial, com uma rede neural treinada utilizando um banco de dados próprio de mais de 1 milhão de imagens de bovinos com peso. De forma automática, ele realiza a medição dos animais e dá o peso.
Para os clientes que desejam acompanhar individualmente, é possível integrar com placas leitoras de brinco eletrônico. Outro benefício dessa integração é poder realizar auditoria e controlar qual animal está em cada área da fazenda, pois o software consegue fazer o georreferenciamento. Dessa forma, o pecuarista consegue saber também em qual região esse gado está sendo criado, facilitando a rastreabilidade.
Quais os principais benefícios que esse método traz para o manejo do gado?
Em relação ao manejo, a otimização de tempo é o principal benefício, em vários sentidos. Com a balança comum, os vaqueiros precisam deslocar o gado até o curral. O animal pode se acidentar, além de perder peso. É uma operação trabalhosa e demorada. Para exemplificar, a Fazenda Paiaguás da SLC Agrícola demorava de 6 a 12 horas (dependendo da distância do curral) para pesar 335 cabeças na balança de curral, contando com 5 vaqueiros. Com o Olho do Dono, 3 vaqueiros fizeram a pesagem no pasto em 15 minutos! Isso se reflete na disponibilidade de tempo para a equipe de vaqueiros se dedicar a outras atividades, e bem-estar para o animal que permanece no seu habitat natural.
Como essa contagem e pesagem de animais pode contribuir para a gestão e melhoria da produtividade?
Aí estamos falando de uma gestão baseada em dados, que permite a melhor tomada de decisão. Quando se pode acompanhar o ganho de peso do gado, é possível avaliar se ele segue a linha de desenvolvimento previsto para o tempo de vida, se a nutrição está adequada. Isso permite que o gestor tome decisões frequentes. Se for preciso mudar o plano nutricional, ele saberá e poderá corrigir isso a tempo. Também saberá o melhor momento para: comercialização do gado, momento para apartar, momento para levar para o confinamento, dentre outros. Então, a Olho do Dono otimiza o tempo do gestor e de toda a equipe, o que contribui para aumentar a produtividade.
Existe um estudo do renomado professor Moacyr Corsi da Esalq-SP, indicando que as fazendas que pesavam o gado duas vezes por ano tinham um ganho médio diário (GMD) de 389 gramas, enquanto as fazendas que pesavam seis vezes por ano, possuíam GMD de 719 gramas. Dessa forma, demonstrou que tomar decisões embasadas em peso obtido de forma frequente, permite aumentar a lucratividade e criar mais gado utilizando a mesma área.
Em termos práticos, o que é necessário para implementar essa tecnologia em uma fazenda?
A estrutura proposta pelo Olho do Dono é simples. Por se tratar de um equipamento leve, portátil e resistente à água, pode ser instalado com facilidade. Só é necessário criar um corredor utilizando materiais existentes na fazenda, como arame liso e madeira por onde os animais irão passar e a câmera vai registrar a imagem. Nada além disso. Então, temos um equipamento, que faz a contagem do gado e a pesagem ao mesmo tempo.
Sobre o equipamento, nós o montamos e o comercializamos. Já o software funciona via licença anual. O cliente escolhe a forma como recebe ou acessa os seus dados. Pode ser via relatório, planilha ou nos softwares de gestão integrados. Hoje a Olho do Dono está presente nos principais estados brasileiros produtores de gado e em países como México, Argentina e Paraguai.
Quais foram os principais desafios enfrentados no desenvolvimento dessa tecnologia?
Foram muitos desafios. Nós, literalmente, batemos de porteira em porteira para chegar onde chegamos. Precisamos montar uma equipe qualificada para desenvolver uma tecnologia desse porte e atuar com o equipamento em campo. Montar a base de dados também foi desafiador, uma vez que se precisava trabalhar com um animal em movimento (rede neural com inteligência artificial em um ambiente muito volátil). Precisamos, também, ultrapassar a fronteira cultural, que não tem o hábito de adquirir software. Enfim, foram muitos desafios.
A Olho do Dono passou por programa de aceleração no Brasil e no exterior, certo?
Fomos vencedores como melhor startup da América Latina no 1º Techcrunch Startup Battlefield Latam. No Brasil, fomos reconhecidos como melhor Agtech em três premiações distintas, no Intercorte, Lide Agronegócio e Embrapa Siagro. Fomos um dos vencedores do 1º Finep Startup.
Nos Estados Unidos, participamos do “Agtech Program”, uma espécie de Shark Tank, realizado pela a Plug And Play, empresa sediada no Vale do Silício (que tem no portfólio unicórnios como PayPal e Dropbox). Disputamos com cerca de 1.000 startups, e fomos uns dos 14 selecionados para participar do programa, sendo a única startup da pecuária, nesse programa desenvolvido pela Microsoft, o Bremer Bank, a CHS e OCP Group.
Como você vê o futuro dessa tecnologia no agro?
A inserção da tecnologia no agronegócio tem avançado muito. Nossa solução, inclusive, muitas vezes causa surpresa no pecuarista que acreditava que pesar e contar o gado no campo usando Inteligência Artificial só seria possível no futuro. Com o passar do tempo, novos componentes, mais rápidos e mais baratos devem surgir no mercado, e pretendemos incorporar no nosso equipamento, sempre visando reduzir custos para o pecuarista. O agro tem a grande responsabilidade de alimentar o mundo, e por isso, a evolução é importante. Nosso papel é seguir essa tendência e dar condições para que a tomada de decisão, especialmente no caso das fazendas de gado, seja otimizada e aprimorada permitindo maior produtividade e lucratividade.