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Proforest: compra responsável exige entendimento de cadeia alimentícia completa

Diretores da Proforest indicam que trabalhar a inclusão de pequenos produtores é essencial para a cadeia sustentável de produção alimentícia

Redação

em 23 de agosto de 2022


De onde veio o alimento? Como ele é produzido? Como saber que o que compro é sustentável? Essas são perguntas que fazem parte do dia a dia do consumidor e também estão no centro das decisões estratégicas de companhias do setor agropecuário. E tentar respondê-las é o desafio da sustentabilidade do segmento.

“Se não fizer essas perguntas, definitivamente, está comprando de maneira irresponsável”, comenta a co-diretora Latam da Proforest, Isabella Freire. A Proforest é uma das principais associações sem fins lucrativos que apoiam a produção e o abastecimento responsáveis de commodities agrícolas e florestais. A organização atua no Brasil, na África e no Reino Unido.

Os desafios para se responder a essas perguntas passam desde o entendimento da cadeia de ponta a ponta, até a certificação de que partes dela possam também fazer parte da conversa. “Tem duas coisas que precisam caminhar juntas: a implementação da política de compra e o apoio a fornecedores para que eles consigam cumprir as políticas de compra”, disse o diretor-adjunto da Proforest, Marcelo Posonskii.

Freire e Posonski falaram com exclusividade para o Prato do Amanhã. Confira o bate-papo:

O que é uma compra responsável de alimentos e commodities agrícolas hoje em dia? E como essa visão mudou tendo em vista as novas exigências da sociedade?

Isabella Freire: A principal questão é procurar entender de onde está vindo esse alimento e como ele é produzido. São as duas perguntas que tem que estar sempre na mente de quem está tentando comprar de forma responsável. Se não fizer essas perguntas, definitivamente está comprando de forma irresponsável.

Se compra sem fazer perguntas, você pode estar sendo conivente com situações e práticas muito ruins

Desse básico, vão outras camadas. A primeira é tentar melhorar o desempenho dos fornecedores ao longo do tempo. E a outra é se envolver além da cadeia. Antigamente, toda a discussão sobre compra responsável era dentro da cadeia. O auge da compra responsável seria garantir que o volume das commodities que compra fossem produzidos de acordo com o padrão de sustentabilidade. O que se percebeu com o tempo é que isso não basta. Porque é um exercício de lavar as mãos, garantir que os seus volumes estão certos e o arredor não interessa. Com o tempo, essa visão acaba criando uma pressão gigantesca em cima da cadeia, e é preciso trabalhar com segregação. 

Passamos a trabalhar com fornecedores, não só perguntar sobre aquilo que estou comprando, mas também das práticas como um todo. Saber se a política dos fornecedores é alinhada com a da empresa é importante.E, mesmo assim, para ter uma mudança efetiva da cadeia, é preciso atuar de maneira setorial. Existem desafios que o setor todo enfrenta. Como o da rastreabilidade, no caso da pecuária. Trabalhar só os volumes não resolve, trabalhar com alguns fornecedores não garante que não haverá dificuldades, existe um desafio para se envolver em iniciativas que são coletivas que tentam achar soluções que funcionam para o setor inteiro. 

Além de tudo isso, ainda existe a questão da paisagem, que é a área onde o alimento é produzido. É preciso também ter uma abordagem que tem uma agenda comum entre vários setores que atuam na mesma região. Tudo isso para mudar o perfil do local. Ou seja,o entendimento do que é compra responsável é muito mais amplo do que era no passado. 

As perguntas valem apenas para serem feitas e esclarecidas pela cadeia de alimentos e de commodities agrícolas?

Marcelo Posonski: Estamos falando de commodities agrícolas, é bom lembrar que são matérias-primas para diversos usos. Trabalhamos diversas cadeias, couro, gordura animal para biocombustivel, miúdos para petfood. Todos os elementos do que perguntar e o que considerar também são válidos para as cadeias diferentes. No caso da pecuária, tem um animal que vai fornecer produtos para diferentes clientes, que vão usar de diversas formas. Trabalhamos para promover colaboração entre diferentes empresas e setores, visando atingir um objetivo comum que é comprar responsavelmente matérias-primas ou garantir que matérias primas são produzidas de maneira responsável. E isso provoca um efeito cascata, porque eu, como consumidor, também preciso fazer essas mesmas perguntas quando vou na gôndola do supermercado. É importante ter ao longo da cadeia essa percepção de responsabilidade.

Qual o cenário que temos hoje em dia para a compra e venda de produtos de maneira transparente?

Isabella Freire: Quando falei que toda a agenda de compra responsável começou focando no volume e certificação, era foco específico em ter que garantir volumes que estivessem sendo produzidos de forma sustentável. Mas a definição do que era sustentável era super ampla, envolvia manejo no campo, o uso responsável de pesticidas, ou questões trabalhistas, com comunidade, mudança de uso da terra. A definição do que era sustentável olhava apenas para os volumes, mas eles tinham que estar com o nível lá em cima para ter as melhores práticas. E o que se notou? Que se criaram ilhas de melhores práticas e práticas terríveis acontecendo ao redor. E com isso, o foco foi ampliar o escopo, de olhar volumes e áreas maiores, outros fornecedores. Para isso, foi preciso deixar de tentar abarcar a agenda inteira da sustentabilidade para, primeiro, eliminar as piores práticas. Onde estamos é: existem excelentes práticas, pontuais. E, como um todo, no setor de commodities agrícolas o objetivo é eliminar as piores práticas. O foco é alcançar toda a base de fornecimento, eliminar o que está pior.

Adoraria dizer que estamos trabalhando para alcançar a agropecuária regenerativa e práticas que reduzem o uso de insumos, ou que trazem produtos mais eficientes, com benefícios para as pessoas e para o clima. Essa é a nossa missão, na verdade. Mas a realidade é que, hoje, trabalhamos como uma agenda para garantir que o mínimo seja feito.

Quais os maiores desafios para levar a transparência para a cadeia de alimentação e agropecuária?

Isabella Freire: A terceirização é um desafio. Às vezes, esse formato acaba afastando as empresas do problema. Por isso é importante entender como acontecem as contratações, quem está fazendo o trabalho, qual mão de obra está sendo utilizada. Quem está produzindo precisa olhar muito para a parte de terceirização. 

Marcelo Posonski: Um desafio grande para a implementação de compra responsável é garantir que mesmo implementando as suas regras de compras, você não vai impactar negativamente a base de fornecimento. E não vai promover uma exclusão de produtores que não têm condições de atender os critérios, principalmente no caso de pequenas fazendas e pequenos produtores. É uma equação difícil de se resolver. 

Tem duas coisas que precisam caminhar juntas: a implementação da política de compra e o apoio a fornecedores para que eles consigam cumprir as políticas de compra. Não pode simplesmente eliminar os que não conseguem. E aqui é essencial pensar nos pequenos que, muitas vezes, não têm condições ou conhecimento dos critérios sócio-ambientais. Na pecuária, isso é algo importante. Programas como o Marfrig Verde+, por exemplo, de apoio aos fornecedores são estratégicos para garantir uma cadeia responsável.

A exclusão de pequenos produtores acaba também por afetar o mercado. Como a colaboração do setor como um todo pode ajudar a mitigar esse risco e reforçar as boas práticas? 

Marcelo Posonski: A colaboração é importante para evitar o cenário de perda dos pequenos produtores. Além disso, a criação de padrões unificados do setor podem ajudar a cadeia. Estamos trabalhando agora no desenvolvimento do Protocolo Voluntario de Monitoramento de Fornecedores de Gado no Cerrado, em parceria com Imaflora e NWF e a colaboração de diversas empresas fornecedoras e compradoras, sociedade civil e outros atores, para que todos os frigoríficos tenham os mesmos critérios e possam adotar essa visão e não exista a competição injusta entre quem implementa e quem não implementa boas práticas.

Claro, é preciso que a empresa conheça toda a sua cadeia de fornecimento e saiba onde os riscos estão, e entender quem consegue ou não cumprir as condições. Em alguns casos, como no de crimes de direitos humanos, é preciso excluir. Em situações mais graves não há como apoiar uma recondução ao nível de legalidade, porque são práticas inaceitáveis. 

Como nivelar a conversa entre pequenos e grandes produtores? 

Isabella Freire: Os produtores vão coexistir, e vão existir nichos de mercado para cada um deles. Haverá nichos voltados para o consumidor mais exigente, que quer as melhores e mais inovadoras práticas possíveis. E é importante que esses produtores continuem a ter espaço para exercer sua atividade. Haverá os produtores de orgânicos. E também aqueles que fazem tudo certinho, mas não necessariamente procuram inovação ou sempre melhorar as práticas. O que a gente precisa é garantir que a regra que passa por baixo que elimina as piores práticas e uma régua que puxa por cima, que dá benefícios para quem vai além. Alguém, por exemplo, que faça agricultura de baixo carbono.

Qual a correlação que vocês veem entre transparência e sustentabilidade?

Isabella Freire: A transparência tem que acontecer em diversos níveis, ela é o que traz o accountability. A transparência é necessária em todos os níveis, desde quem está no final da cadeia, que precisa mostrar como o compromisso está sendo implementado. A obrigação de transparência dos relatórios de sustentabilidade, dos questionários para os investidores, das pesquisas feitas por ONG, pelos rankings de ONGS, é o que permite a gente como sociedade acompanhar a implementação dos compromissos, sejam eles de redução de emissões, de redução de desmatamento. A transparência dentro da lógica do setor privado é um motor grande.

No outro extremo, no nível da produção, transparência é trazer as informações sobre o produto. Não adianta ter uma excelente prática no campo e não comunicar isso no produto, porque aí mistura os produtores mais inovadores e aqueles que têm práticas ruins. Transparência serve para a gente colocar mecanismo de incentivo e credibilidade. Ela traz credibilidade para chegar num supermercado e comprar algo confiando que a produção daquele alimento é carbono zero ou usa mesmo água. 

A transparência não pode ser um objetivo por si só. Por isso precisa ser pensado em como reporta, de que forma fala. Muito do nosso trabalho [na Proforest] é exatamente entender quais são as melhores formas de reportar, quais são os KPIs, quais são os indicadores que fazem mais sentido de progresso. Não só o objetivo final, mas como monitora o progresso.

Vocês têm uma visão otimista sobre o futuro da agropecuária?

Isabella Freire: Eu sou otimista, sinto que muitas das questões quando eu comecei a trabalhar ainda eram obscuras. Ninguém falava do assunto, ninguém tocava naquilo, hoje elas viraram mainstream. A sensação é que a cavalaria chegou. Chegou o momento de tratar essas questões, os problemas estão sendo reconhecidos e agora contam com recursos para serem tratados. A sustentabilidade no setor agropecuário é um desses assuntos. 
Marcelo Posonski: Quando olho para o cenário amplo, é difícil me manter otimista, mas quando olho em específico, as coisas tendem a melhorar. Estamos tendo reuniões com frigoríficos, e com empresas, com testes de monitoramento do gado no Cerrado e, nessas reuniões, temos cinco, oito pessoas por parte das empresas. Há uns anos, o número era menor. Não tinham equipes de sustentabilidade inteiras. As empresas estão muito mais estruturadas, não só em número de pessoas, como também de programas de incentivo ao mercado.