Agropecuária busca neutralizar emissões na produção de carne, mostra Embrapa

Em painel na Anuga 2024, Embrapa mostrou como a agropecuária brasileira pode ser aliada da questão climática global

Rodrigo Conceição Santos

em 15 de abril de 2024


No mundo, os principais emissores de gás carbônico e gases equivalentes são os setores energéticos, incluindo os transportes, que respondem por cerca de 70% do que é emitido. No Brasil, a conta é inversa, sendo que a maior parte das nossas emissões (também cerca de 70%) deve-se ao uso da terra, o que inclui a agropecuária. No nosso caso, boa parte das emissões é creditada ao desmatamento ilegal de florestas tropicais, principalmente a amazônica, mas, de tempos em tempos, o setor agropecuário vem à tona. Geralmente por ser associado ao desmatamento ilegal, mas por vezes também pela emissão de gás metano, que acontece naturalmente no processo de digestão do bovino (fermentação entérica).

A questão é ampla e vem motivando o trabalho de pesquisadores públicos e privados há décadas. Afinal, se de um lado há a urgência em reduzir as emissões de efeito estufa, de outro há a necessidade de alimentar a população do planeta, e a proteína bovina é um componente importante no prato de muita gente. Além disso, países como o Brasil, Estados Unidos e Austrália – para ficarmos nos maiores produtores de proteína bovina – têm a agropecuária como uma importante atividade na composição de seu Produto Interno Bruno (PIB). 

Aqui, por exemplo, grande parte desse mercado é formado por pequenos produtores, que dependem da atividade para sobreviver e também para ajudar a manter a atividade econômica das regiões onde atuam.

Na Anuga 2024 – evento que aconteceu em São Paulo entre 9 e 11 de abril – um painel liderado pela Embrapa tratou do tema com o horizonte de soluções metodológicas e tecnológicas capazes de não só neutralizar as emissões do setor, como também de tornar a agropecuária uma atividade que sequestra mais carbono do que emite, contribuindo para mitigar as mudanças climáticas.

Recuperação de áreas degradadas

Para se tornar um sequestrador de carbono global, o setor agropecuário precisa avançar em várias frentes. Começando pela terra, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, anunciou, no ano passado, o desejo de que o Brasil recupere 40 milhões de hectares de áreas degradadas. Isto, segundo Ana Euler, diretora-executiva de Negócios da Embrapa, permitirá ampliar a produção agropecuária do país, ao mesmo tempo em que reforçará as boas práticas do setor.

Ana Euler

A meta é ambiciosa, pois equivale à metade da área produtiva que o mundo precisaria expandir até 2030, segundo um estudo da Mckinsey que aponta que o planeta precisa incrementar cerca de 80 milhões de hectares para a produção agrícola alimentar a população global no período. Mas também é factível, segundo Ana Euler, pois o Brasil, por meio da Embrapa, desenvolveu mais de 4 mil ativos tecnológicos e metodologias eficientes de produção nos últimos 50 anos para dar conta do recado.

A integração entre lavoura, pecuária e floresta (ILPF) é uma das principais delas. “A terra é produtiva durante o ano inteiro, gerando várias safras diferentes. Isto aumenta a rentabilidade dos produtores, ao mesmo tempo em que eleva a qualidade do solo e equilibra a emissão de gases de efeito estufa”, disse ela.

“A integração lavoura-pecuária-floresta traz bem-estar animal, neutralização das emissões de gás carbônico equivalente, resiliência climática e valoriza o produto final e todo o sistema de produção”, completou Roberto Giolo, pesquisador da Embrapa Gados de Corte.

Giolo esteve à frente do desenvolvimento dos protocolos de produção de Carne Baixo Carbono e Carne Carbono Neutro, ambos de exclusividade da Marfrig até 2031 e representantes de uma nova forma de apresentar a agropecuária sustentável do Brasil no mundo.

Carne de bem com o clima

Em 2010, a Embrapa Gado de Corte iniciou o desenvolvimento de um plano de agricultura de baixa emissão de carbono, buscando responder à pressão internacional sobre a agropecuária brasileira. O plano, denominado ABC, foi lançado em 2012, trazendo consigo a ideia de lançar uma marca de carne carbono neutro. “Isso ensejou a criação do primeiro protocolo de produção de carne que busca neutralizar a emissão de carbono do mundo”, lembra Giolo.

Roberto Giolo

O protocolo foi publicado em 2015 e, em 2020, a parceria com a Marfrig permitiu a entrada da primeira carne carbono neutro no mercado. Hoje, o plano ABC está em uma segunda fase (ABC+) e envolve a condição de regeneração de solos degradados, como citado anteriormente.

O lançamento brasileiro provocou outras partes do mundo. A Austrália, por exemplo, se comprometeu a fornecer toda a sua produção de carne bovina livre de carbono até 2030. O Reino Unido estabeleceu a mesma meta para 2040. Portugal lançou um protocolo privado em 2021, assim como o Uruguai, e a Nova Zelândia, no contexto da produção de ovinos, se comprometeu a fornecer carne carbono neutro em toda a sua produção até 2050. “Neste ano, a Embrapa e a Marfrig devem lançar a Carne Baixo Carbono. Estamos validando o protocolo, que envolve a avaliação do teor de carbono nos pastos”, adiantou Giolo.

Segundo o especialista da Embrapa Gado de Corte, já foi possível identificar que pastos bem manejados sequestram mais carbono do que a própria floresta nativa. “É muito interessante destacar que, nos biomas brasileiros, pastagens bem manejadas conseguem capturar mais carbono do que as florestas nativas. É óbvio que isso não deve ensejar desmatamentos em troca de novas áreas produtivas, mas sim estimular o uso eficiente e sustentável das áreas de criação já existentes”, disse.

A Carne Baixo Carbono pode ser produzida em pastagens bem manejadas e esses resultados, segundo Giolo, estão sendo comprovados em uma área experimental da Embrapa Gado de Corte, em Campo Grande (MS).

Consumidor: o desafio final

Com os protocolos validados, com a adesão de outros países produtores e o apoio técnico e institucional do governo, os protocolos de produção de carnes Carbono Neutro e Baixo Carbono têm futuro promissor, desde que vençam a última fronteira: o desejo do consumidor. “Nesse aspecto, entram várias avaliações, indo desde idade, gênero, renda, escolaridade, conveniência de compra, embalagem, questões familiares e, claro, preço”, explicou Rosires Deliza, pesquisadora da Embrapa Agroindústria de Alimentos.

Rosires vem aplicando estudos e pesquisas para entender a disposição do consumidor em consumir carnes Carbono Neutro e Baixo Carbono. Em uma primeira pesquisa, com 851 habitantes do estado do Rio de Janeiro, ela e sua equipe constataram que 66% declararam “alta preocupação” com o meio ambiente. “O número é alto e está em linha com o que se tem apurado mundialmente”, disse.

Ela também avaliou atitudes, no sentido de entender o que faria as pessoas a consumirem esse tipo de carne. Quase 40% responderam que comprariam carne de baixo carbono se as encontrassem disponíveis no mercado. “Para 36%, a ideia de ter a carne de baixo carbono e carbono neutro no mercado é boa. Uma parcela menor (28%) disse que trocaria a carne que consomem atualmente por estas, enquanto 24% disseram aceitar ‘ligeiramente’ pagar mais por uma carne cuja produção foi livre ou de baixo carbono”, detalhou a especialista.

Rosires também começou a avaliar os motivos que fariam as pessoas a consumirem esse tipo de proteína mais sustentável. O preço, o selo do protocolo de produção e a alegação de sustentabilidade tiveram peso significativo na escolha das pessoas. 

De modo geral, portanto, as pesquisas iniciais mostram que a próxima fronteira é apresentar para o consumidor final todo o trabalho de descarbonização feito na cadeia pecuária.