ILPF

A ILPF no avanço da pecuária sustentável

De acordo com a Embrapa, o Brasil apresenta potencial de expansão da ILPF estimado em 48 milhões de hectares

Joao

em 7 de novembro de 2023


O que pensar sobre uma solução baseada na natureza que utiliza técnicas avançadas de agropecuária? E se isso colocar o Brasil e os produtores nacionais em um patamar diferente perante o mundo? A Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) é uma estratégia de produção agropecuária que vem crescendo no Brasil. 

De acordo com um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em parceria com a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 2021, a área de ILPF no Brasil era de 17,4 milhões de hectares, o que indicaria um potencial de expansão estimado em 48 milhões de hectares.

Estima-se que cerca de 74% das emissões nacionais sejam relativas ao uso do solo. Já há, inclusive, estudos que afirmam que a ILPF neutraliza emissões de metano (o principal gás de efeito estufa gerado na agropecuária). Inclusive, a Embrapa realizou um estudo no Cerrado Mineiro que comprovou que a fixação de carbono por árvores em sistemas de  ILPF supera a emissão de metano por bovinos. 

Resumidamente, esses resultados indicam que os produtores da região podem adicionar um considerável ganho ambiental à produção, inserindo, por exemplo, esses resultados na certificação Carne Carbono Neutro (CCN), o que, por sua vez, aumentaria a rentabilidade das fazendas. 

Mas, afinal, o que é ILPF?

A Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) é uma estratégia de produção agropecuária integrativa, que compreende atividades agrícolas, pecuárias e florestais em uma mesma área.

De acordo com a Embrapa, a técnica pode ser feita em cultivo consorciado, em sucessão ou em rotação, desde que haja benefício mútuo para todas as atividades. Além disso, a integração lavoura-pecuária-floresta pode ser feita com diversas culturas e espécies animais, pois permite adequação às características regionais, condições climáticas, mercado local e perfil do produtor.

Para a Embrapa, uma das condições para que a ILPF aconteça da maneira correta é via otimização do uso da terra, elevando os patamares de produtividade. Isso significa que a área receberá melhor os insumos, terá diversidade de produção e gerará mais renda ao produtor e empregos para a comunidade. 

A Embrapa, que desenvolve estudos sobre o tema desde 1980, se tornou referência sobre projetos de ILPF. De acordo com a instituição, mais de 20 unidades da empresa estão dedicadas à técnica. Todas elas desenvolvem algum tipo de atividade de pesquisa e transferência de tecnologia sobre os sistemas ILPF.

ILPF e agrofloresta: qual a relação?

Uma das condições para a integração lavoura-pecuária-floresta é o aproveitamento conjunto da terra, permitindo o plantio diversificado e, ao mesmo tempo, a coexistência da pecuária, mantendo a preservação ambiental. A integração é também um caminho para regenerar o solo, sendo esta a principal vantagem do sistema: recuperar a fertilidade dos solos e diminuir a erosão, contribuindo para a conservação da mata nativa. 

Para Paula Costa, engenheira florestal, bióloga, fundadora, CTO e diretora de operações da PretaTerra, é crucial escolher as espécies a serem cultivadas e organizar o plantio no espaço e no tempo. “É preciso planejar todos os manejos necessários e lidar com um conjunto diversificado de culturas. Além disso, deve-se considerar a densidade de plantas por hectare, o que torna as decisões ainda mais complexas. Em resumo, planejar é o primeiro passo para estabelecer um sistema agroflorestal que seja sustentável, com início, meio e fim bem definidos”, explicou.

Ela explica que outra parte importante do projeto é a financeira, que permite ao agricultor entender se seu sistema será viável economicamente ou não. “A competição com a monocultura é desafiadora, pois a agrofloresta exige aprendizados constantes e adaptações. Cada sistema é único e a busca por otimização é constante”, contou.

A relação entre ILPF e agrofloresta envolve agronomia, silvicultura, solos, clima e mapeamento, além de uma rede complexa de suprimentos, e ainda engloba a conexão entre todos os pontos da paisagem, a fim de criar um ecossistema de produção eficaz. 

Rastreabilidade a favor da ILPF?

Nos sistemas ILPF, a sombra das árvores também faz parte da técnica produtiva. Elas proporcionam um melhor ambiente e a produtividade aumenta. Fernanda Hoe, diretora geral da Elanco Brasil, em entrevista para a Exame, declarou que várias fazendas no país já aderiram ao sistema integrado e hoje em dia estão mais produtivas e, por consequência, mais lucrativas, “justamente porque conseguem otimizar a terra que já têm, não precisam abrir novas áreas, e promovem a redução do gás metano, que é absorvido pela floresta”, disse. 

Hoje, o sistema ILPF é também uma alternativa para os pecuaristas de pequeno porte. Com a digitalização em expansão em áreas rurais, em especial dentro da pecuária, há um novo nível de tecnificação, o que ajuda a manter o pecuarista na atividade. Eles geralmente são mais propensos a contribuir para a rastreabilidade dos processos de cria, recria e engorda.

Além da rastreabilidade ser debatida no sentido de o consumidor saber a origem da matéria-prima, essa é uma tendência que está tomando proporções globais, o que indica que toda a cadeia deve se adaptar ao longo do tempo. Existe uma série de requisitos a serem observados para implantar a rastreabilidade animal. Identificar a origem, o manejo e a trajetória do animal ao longo de toda a cadeia produtiva é primordial. Como uma espécie de denominação de origem, um dos objetivos é que a carne venha de fazendas que tenham também boas práticas de sustentabilidade, que não desmatam, que garantam o bem-estar animal, entre outros pontos. A rastreabilidade é uma ferramenta importante para garantir a segurança alimentar e a qualidade da carne bovina.

O aumento do uso de tecnologia em áreas rurais, aliado à sustentabilidade, em especial com a adoção de sistemas de ILPF, garante os benefícios da rastreabilidade do rebanho. Hoje em dia, nanotecnologia, rastreabilidade e blockchain são usadas a favor do produtor, otimizando recursos no campo e agregando eficiência à produção.

Integração da pecuária com outras culturas

Quem diria que a criação de peixes ajudaria o produtor a criar o gado em um ciclo sustentável? A integração da pecuária com outras culturas resulta, muitas vezes, em oportunidade. No caso da criação de peixes, a integração pecuária-piscicultura resulta em um pasto mais verde, com o reaproveitamento de água, e uma área capaz de resistir por mais tempo às mudanças climáticas.

Em números, para uma fazenda de criação de peixes com seis tanques de ambiente protegido, são necessários 7 milhões de litros de água, trocados a cada duas semanas. Para reaproveitar o líquido, a fazenda que faz a integração da pecuária com outras culturas utiliza a água que seria rejeitada para irrigar o pasto. Vale ressaltar que a água utilizada na piscicultura tem restos de alimentos e dejetos dos peixes, o que é bastante positivo, pois tem também microalgas que ajudam a nutrir as plantas. Em suma, isso pode reduzir em até 20% o gasto da fazenda com adubos. 

Uma pesquisa da Embrapa revelou que a integração entre a criação de peixes com hortaliças também é capaz de reduzir 90% do consumo de água, além de eliminar a liberação de efluentes no meio ambiente.

ILPF e bem-estar animal

Um dado importante sobre a integração lavoura-pecuária-floresta é o favorecimento da qualidade do pasto e o conforto térmico dos animais. De acordo com a Embrapa, são essas práticas de manejo que valorizam o bem-estar animal e resultam em ganhos financeiros para os produtores. 

Em tempos de crise climática, adaptar a realidade e fazer a integração lavoura-pecuária-floresta é extremamente relevante para os produtores. Em uma propriedade de 1.000 hectares, no Maranhão, a ILPF compõem um sistema diversificado. Lá o plantio de capim é consorciado com o milho depois da colheita da soja. O componente florestal é composto basicamente por eucaliptos e outras 12 espécies de árvores nativas. Com o sistema integrado aplicado há mais de 10 anos na propriedade, os produtores afirmam que não precisam mais se preocupar com a estiagem para manter o pasto e alimentar o gado. O ILPF é uma espécie de barreira natural que armazena o suficiente para manter a produção, mesmo com condições climáticas adversas. Agora, a área plantada conta com a resiliência ao estresse hídrico e a incorporação de matéria orgânica, o que melhora as condições do solo, resultando em fartura no pasto com efeitos diretos no rebanho. 

ILPF e produtividade na criação

Uma das vantagens dos sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta é que os resultados são mensuráveis desde o início da implantação. De acordo com a Embrapa Agrossilvipastoril (MT), as novilhas que pastejam em sistemas sombreados apresentam menor incidência de contaminação do que aquelas que ficam em pastagens com menor carga de parasitas. Segundo pesquisa da Embrapa, mesmo com presença superior de nematoides em vida livre na pastagem em sistemas ILPF, as novilhas tiveram menor infestação de parasitas. 

Para Luciano Lopes, pesquisador da Embrapa responsável pela pesquisa, novilhas da raça nelore em sistemas ILPF ganham mais peso, possuem maior precocidade sexual e, paralelamente, apresentam melhor resposta imunológica do que as criadas em outros sistemas. “Esse movimento, portanto, abre novas perspectivas sobre o manejo do rebanho nas propriedades rurais”, explicou Lopes. 

Os sistemas de integração lavoura-pecuária-floresta dizem respeito a benefícios ecológicos e econômicos para a manutenção das fazendas e lavouras, o que representa uma oportunidade para o Brasil explorar em tempos de crise climática global. Com a regulamentação do mercado de carbono, os créditos gerados pelo uso da terra no Brasil podem se tornar valiosos. Além disso, são importantes para o cumprimento das metas climáticas do país, assumidas no Acordo de Paris.