Edição genética pode entregar mais comida e mais sustentabilidade
A evolução tecnológica já iniciou uma transformação (silenciosa) na agricultura e este cenário deve se consolidar nas próximas décadas
Ainda no início do século 20, os químicos Fritz Haber e Carl Bosch descobriram uma fórmula econômica para transformar o nitrogênio atmosférico em amônia. Surgia no mercado um composto rico em nitrogênio, que seria usado para acelerar o crescimento de plantas e, por consequência, uma nova forma de atingir o máximo de produtividade nas safras agrícolas. Era a edição genética entrando em cena. No entanto, o processo, que foi batizado de Haber-Bosch, necessitava de grande quantidade de energia, além do fertilizante nitrogenado sintético ter efeitos poluentes nas águas e ser um produto emissor de gases de efeito estufa.
Segundo estimativas, a agricultura é responsável por 25% dos gases de efeito estufa do mundo, sendo que o processo de Haber-Bosch é responsável por 3% delas. Com o aumento populacional e a previsão de 10 bilhões de pessoas no mundo até 2050, surge o questionamento sobre como os agricultores conseguirão produzir mais alimentos com menos terras e os reflexos das mudanças climáticas. A boa notícia é que a evolução tecnológica já iniciou uma transformação (silenciosa) na agricultura, e este cenário deve se consolidar nas próximas décadas.
Edição genética e o aperfeiçoamento das culturas
O uso da edição genética na agricultura se tornará cada vez mais comum, agregando rapidez e novas características aos cultivos. Os biólogos usarão genes da própria espécie para modificar diretamente o DNA da cultura, criando versões mais resistentes ao calor, às pragas, com sabor mais evidente ou espécies mais tolerantes à seca, por exemplo.
O trabalho de seleção tradicional de culturas leva cerca de uma década para se concretizar. Porém, com as novas ferramentas biotecnológicas e as tecnologias digitais em rápida evolução, inclusive a inteligência artificial, esse prazo pode ser reduzido para apenas alguns meses.
Para Robert Jinkerson, professor assistente no Departamento de Botânica e Ciências Vegetais da Universidade da Califórnia, em Riverside, os prazos para criar novas variedades ou características estão diminuindo rapidamente, o que permitirá também a combinação de variedades mais relevantes comercialmente.
“O CRISPR-Cas9 é algo que realmente mudou a forma como os biólogos vegetais têm abordado a engenharia de culturas, porque agora é possível fazer coisas que eram impossíveis anteriormente, ou muito difíceis”, declarou.
Os Estados Unidos e o Brasil têm um ambiente regulatório favorável para incentivar esse tipo de inovação. Já a União Europeia é um pouco mais rígida sobre regras de culturas editadas geneticamente.
Jinkerson está trabalhando em um projeto para desvincular o crescimento das plantas e a produção de alimentos do processo de fotossíntese dos vegetais. Segundo ele, as plantas são ineficientes na conversão da luz solar em biomassa vegetal, ou seja, no crescimento. Por exemplo, o arroz só pode converter 1% de sua energia solar em biomassa. O milho ou a cana-de-açúcar convertem aproximadamente 1,5%. Por outro lado, um painel solar tem uma eficiência de 22%, só que gera somente eletricidade, ou seja, não podemos comer.
A nova abordagem de Jinkerson usa a fotossíntese artificial para produzir alimentos. Na prática, um painel solar faz a captura da luz solar e a converte em eletricidade para uso em um processo chamado eletrólise de CO2, o qual, por sua vez, o transforma em compostos como o acetato. Os cientistas, então, alimentam em ambiente escuro os organismos produtores de alimentos. A tecnica já funcionou em cultivos de leveduras, algas e cogumelos. Agora, a equipe de pesquisadores está trabalhando para fazer o processo em plantas.
“Seria essencialmente a próxima versão da agricultura vertical”, explicou o cientista. “Fizemos o cálculo para uma área de terra em Illinois. Se você tivesse algo próximo de meio hectare, poderia plantar milho lá ou colocar painéis solares e cultivar oito vezes mais alimentos.”
A agricultura como aliada
A cientista Joanne Chory atua na área vegetal influente e trabalha no desenvolvimento de culturas inovadoras. Ela está focada na engenharia de plantas, buscando estratégias para que elas se tornem mais resilientes às mudanças climáticas, o que, segundo ela, pode se tornar ainda mais comum num futuro próximo.
Chory acredita na possibilidade de usar a edição genética para que as plantas produzam suberina em grande quantidade em suas raízes (uma espécie de polímero natural, que atua como um selante). “Se você produzir mais suberina, terá mais carbono recalcitrante, que não consegue ser decomposto por micróbios”.
A ideia é que, com mais carbono da planta, mesmo ao final da temporada, ele permaneça armazenado por vários anos, desde que o agricultor esteja praticando o plantio direto. A suberina também ajudaria os cultivos no enfrentamento às chuvas, inundações e secas.
Seu laboratório está focado nas culturas básicas, como milho, trigo e arroz. Segundo os estudos, a metade das terras aráveis do mundo – entre 500 e 800 milhões de hectares – precisaria ser replantada com essas culturas, para armazenar carbono suficiente e atingir o saldo zero de emissões.
“A agricultura está contribuindo para o problema das emissões de gases de efeito estufa. Mas, o setor também pode colaborar para a redução do carbono que já está na atmosfera, pois as plantas são muito eficientes em absorver CO2. Não precisamos fazer a captura direta de CO2 no mundo da biologia vegetal, porque acreditamos que as plantas fazem isso melhor, de forma mais barata e podem se beneficiar da escalabilidade da agricultura”, explicou.
Em sua visão, para avançar para o uso de produtos e processos biológicos, em vez de químicos, a edição genética é o caminho do futuro.