glaucia terreo

Gláucia Terreo: “ESG significa gestão robusta e transparente”

“Não há negócio sem lucro; Não falamos para as empresas deixarem de fazer suas atividades; Conselhos de Administração precisam ‘aterrissar’ o ESG” - leia esta e outras defesas da ambientalista

Redação

em 7 de julho de 2023


Gláucia Terreo é ambientalista e atua no setor desde o início dos anos 2000. Foi a líder do Global Reporting Initiative (GRI) no Brasil (primeira fora da Holanda) e também atuou pelo Instituto Ethos. Hoje, é consultora especialista em sustentabilidade e ESG na ABC Associados e, entre outras funções, é membro do Conselho Consultivo do Observatório 2030 da Rede do Pacto Global no Brasil.

Nesta entrevista exclusiva ao Prato do Amanhã, Gláucia detalha a sua jornada e defende a importância do ESG para os negócios atuais. Ela também mostra a responsabilidade e importância dos conselhos de administração para esse avanço e demonstra que “não estamos enxugando gelo”. Afinal, houve avanços nos últimos anos e eles estão ainda acontecendo, sendo que, agora, de forma cada vez mais urgente e acelerada. 

Acompanhe os principais trechos da entrevista.

Você teve uma longa passagem pela GRI. Essa área de atuação, com foco em sustentabilidade, sempre foi do seu interesse? Como surgiu?

Eu sempre gostei dessa área e, de alguma forma, acho que a minha caminhada profissional foi me levando para esse lado. Em 2001, eu entrei no Instituto Ethos, onde trabalhei até 2006. Foi uma experiência magnífica. Adorei trabalhar lá e tenho amigos até hoje. São pessoas que estão aí no ativismo [da sustentabilidade]. Em 2006, recebi o convite para ser a primeira representação da GRI fora da Holanda. E isso graças à parceria que a GRI tinha com o Instituto Ethos. Assumi a GRI no Brasil e fiquei durante 15 anos. A minha função era disseminar a metodologia e tentar melhorar a transparência das empresas. Foi um desafio grande. 

Mudou muita coisa desde essa época?

Muito. De 2001 para cá, por exemplo, a gente viu nascer a normativa do Bacen (Banco Central). Também vimos a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) colocar instrução para que informações de ESG estejam no formulário de referência. Houve ainda a regulamentação da Susep (Superintendência de Seguros Privados), que saiu no ano passado. Lembro muito de um livro da Sônia Consiglio que é o “Vivi pra ver”. É um título muito certo, porque mostra os avanços que muitas pessoas que entraram para o movimento agora não visualizam. Pensam que estamos “enxugando gelo”, mas não é bem assim. Precisamos continuar, porque teve uma época em que os produtos, mesmo os perecíveis no mercado, não tinham sequer data de validade. Graças ao ativismo e a muita gente da sociedade civil se organizando, isso mudou ao ponto que virou regulação. Eu acho que ESG tá indo pelo mesmo caminho. 

Uma das preocupações atuais envolve uma cadeia de possíveis práticas “washing”, como o social washing, por exemplo. Na sua visão, como isso tem sido combatido?

Eu acredito, na ótica de quem vem nesse movimento há muito tempo, que a coisa está caminhando devagar, mas caminha. Muitas vezes quando a pessoa faz um greenwashing, é por um problema de comunicação entre as partes dentro da empresa, e não necessariamente por má fé. Penso isso não por inocência, mas porque não é possível que não esteja muito claro atualmente que o greenwashing faz mal para a empresa.

Há muito tempo eu venho falando de relatório de sustentabilidade ou de indicadores Ethos. Na época em que eu trabalhei no Instituto Ethos, já tinham os indicadores, tinha a responsabilidade social, tinha a GRI e, também, o washing. Não sei o nome que se dava, mas já tinha. Lembro até que, depois de um tempo, o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) proibiu colocar, por exemplo, “empresa sustentável” nas propagandas. O Conar entrou em ação porque não existe, de fato, nada que seja inteiramente sustentável. 

Como assim?

A gente causa impacto desde que nasce. Por isso, o objetivo não é que as empresas digam que não têm impacto, mas sim que elas sejam transparentes, falando abertamente sobre os desafios que enfrentam ao produzir alguma coisa que é necessária para a economia. Assim, ela assume o impacto da sua produção e, a partir daí, avalia como endereçar os esforços, seja por tecnologia ou por repensar o processo. Esse seria o objetivo das empresas terem uma comunicação mais transparente e evitar greenwashing. E é algo que já vem de muito tempo.

Você se lembra de detalhes? 

Sim. Os indicadores Ethos são uma ferramenta de gestão que as empresas preenchem para uma autoavaliação. Ou seja, a própria empresa preenchia os seus dados, pois tratava-se de uma ferramenta para uso dela própria, não para o mercado externo. Nos anos 2000, havia empresas que preenchiam tudo como se fossem a perfeição, e depois pegavam o relatório emitido automaticamente, com a logomarca do Instituto Ethos, e publicavam em jornais de grande circulação. Aquilo era greenwashing.

Logo em seguida, quando eu comecei a trabalhar com a GRI, vinha, por exemplo, uma empresa falar comigo toda feliz “publiquei meu relatório de sustentabilidade”. Ao abrir o relatório, só tinham informações sobre projetos sociais, e nada sobre o negócio em si. Geralmente, nem conexão entre os projetos sociais e o negócio eles conseguiam fazer. 

Você dizia que isto evoluiu nos últimos anos…

Sim. Hoje os relatórios e as organizações estão falando mais do seu próprio negócio. Agora, eu acho que é preciso dar um novo salto, que é grande e exige coragem das empresas para mostrar e falar mais sobre os seus próprios desafios. Muitos relatórios atuais são, somente, demonstrando os temas positivos. Inserem, por exemplo, a biodiversidade e o que a empresa faz de positivo para esse tema. Novamente, isto é um grande avanço, pois no passado, empresas do agronegócio não tratavam desses temas. Agora vemos empresas de proteína animal falando de uso da água, de uso do solo, de desmatamento, de escala. E algumas já falando de seus desafios, colocando, a partir deles, uma narrativa de metas e indicadores relativos aos seus desafios.

Leia também:

“Precisamos ir do discurso ao método para produzir, conservar e incluir”, diz Marcella Molina

A agropecuária tem um desafio complexo, pois a produção de proteína e a natureza estão correlacionadas, e ainda há questões como o sequestro de carbono na pastagem que não estão totalmente equalizadas. Como você enxerga isso?

Acredito que se as empresas estão vendo essa questão do sequestro de carbono nas pastagens, e agora precisam demonstrar com dados científicos, para que eles sejam trazidos à mesa e incrementados a metodologias eficientes de medição de impactos, como o GHG Protocol, por exemplo.

O GHG é um protocolo aberto e gratuito. Quando se tem dados, é possível contribuir com ele, equacionando a régua, para que as medições de impactos sejam cada vez mais adequadas.

Você entende que a produção de proteína animal é importante para a segurança alimentar do planeta?

Outro dia me falaram: “Ah, mas para tudo que a gente faz na vida, a gente precisa impactar”. E é verdade. O setor de proteína animal é necessário e, não só para a alimentação, mas também para a produção de remédio, de vestuário e de uma série de outras coisas. Além disso, é grande gerador de empregos e importante para as economias rurais locais. O que estamos dizendo é que é possível trabalhar a segurança alimentar, mas de forma sustentável. Afinal, a empresa que atua tentando produzir um impacto positivo na ODS2 (Objetivo Sustentável da ONU para o fim da fome no mundo), não adianta  provocar problema na sua cadeia, porque vai chegar lá na frente da cadeia e somente quem tem dinheiro vai poder consumir a proteína, ampliando a desigualdade e consequentemente a fome. 

Outro dia eu estava falando com uma empresa de biocombustível, pois tem uma oportunidade enorme nesse setor para ajudar no processo de transição para economia verde – mas não pode ser feito de qualquer jeito e a qualquer custo – pois, para a produção de biocombustíveis, tem culturas que usam pesticidas e já foram desvendados até casos de trabalho escravo na cadeia. Então é preciso olhar todas as coisas. É importante que a empresa observe bem a sua qualidade de emprego e também a dos fornecedores. Enfim, não defendemos que se deixe de fazer. Pelo contrário, falamos para as empresas: “façam o que tem de ser feito”.

Embora o ESG seja um assunto que ganhou a grande imprensa nos últimos anos, ele nada mais é do que gestão robusta da organização. Ele é a gestão de riscos e enseja que se façam as coisas do jeito que sempre deveriam ter sido feitas. 

Leia também:

Além da Carne: 7 curiosidades sobre o couro bovino

Além da carne: heparina vem do boi e salva vidas

Colágeno e condroitina: cartilagem bovina é fonte para as indústria farmacêutica e cosmética 

Muitos especialistas têm defendido que “sem eficiência não há sustentabilidade”. O que você pensa a respeito?

O objetivo de toda empresa é lucro. Se não houver capital financeiro, não haverá outros capitais. Então é importante que se pense no lucro. Mas é preciso também analisar toda a cadeia, principalmente, a cadeia de produção, na qual a empresa tem mais controle. Neste ponto, vejo o desafio do desmatamento na cadeia agropecuária. É uma tarefa difícil de controlar, pois o “gado anda”. Quero dizer que, muitas vezes, o gado é criado em uma área ilegal, desmatada, e, na hora da engorda, é transferido para uma área legal. Então, o primeiro passo é assumir que isto acontece e buscar formas de eliminar. 

Vejo como positivo o que as grandes empresas do setor de proteína animal têm feito, tratando do assunto em seus relatórios de sustentabilidade, inclusive. Acho que um avanço importante é aumentar a colaboração das ONGs com essas companhias.

Qual é o papel dos conselhos nessa jornada da sustentabilidade? 

De suma importância. O conselho de administração, tradicionalmente, é um colegiado com bastante trabalho e que costuma ter reuniões abarrotadas de decisões a serem tomadas e discussões a serem feitas. Mas carece de maior entendimento em relação ao tema ESG. O ESG veio para dizer: “olha, a gente precisa de alguns ajustes no capitalismo que nos trouxe até hoje”. Está muito claro a participação do ser humano no processo de mudanças climáticas, devido à nossa forma de produção e consumo. E mesmo assim ainda tem conselho de administração que relaciona o ESG a algo bonito que a empresa faz, e não à gestão robusta, ao negócio. Independentemente dessa bolha que algumas empresas criam, porém, o mundo caminha, com exigências cada vez mais firmes na Europa e também aqui no Brasil. A Susep, por exemplo, está fazendo com que as companhias coloquem na subscrição de risco do negócio as questões climáticas. É preciso esclarecer essas questões aos conselheiros, inclusive porque muitas delas, como direitos humanos, qualidade de vida, gestão ambiental, justiça social, etc, estão na Constituição Federal.

ESG, portanto, não é uma questão que está lá longe, como algumas empresas pensam, mas é preciso esclarecer isso, começando nos conselhos de administração. A partir daí ele vai “aterrissar” o assunto. 

Há exemplos positivos?

Sim. Temos visto, nas empresas mais avançadas, como a Marfrig, a formação de comitês de sustentabilidade para assessorar o conselho administrativo no assunto. Há pouco tempo, por exemplo, a Marfrig teve o Marcelo Furtado como convidado desse comitê. O Marcelo foi presidente do Greenpeace no Brasil e é uma pessoa engajada no movimento da sustentabilidade. Enfim, acho que precisamos “aterrissar” a discussão da ESG e, deixo como mensagem final que é possível fazer isso em escala grande ou pequena. Portanto, todos sempre podemos melhorar o ESG.