O que os bois querem

O que os bois querem? Sombra e água fresca

Especialistas em bem-estar animal falam sobre como as altas temperaturas e a exposição ao sol podem afetar negativamente os bois. E a carne

Redação

em 23 de janeiro de 2023


Naqueles dias sem uma nuvem no céu, com o sol a pino, a única coisa que as pessoas procuram é um lugar para se proteger, seja por conta do calor ou para evitar queimaduras na pele. Com os animais não é diferente. A exposição ao sol contínua, bem como as altas temperaturas, podem trazer estresse para o boi. Num país tropical como o Brasil, essa questão preocupa e chama a atenção de pesquisadores em busca de soluções tecnológicas (e algumas não tão tecnológicas assim). 

Para os professores e pesquisadores do INOBIO-MANERA, laboratório de bioclimatologia da Universidade Estadual de São Paulo (Unesp), a falta de sombras é um dos principais desafios dos produtores de bovinos no Brasil.  Uma parte considerável dos confinamentos do Brasil não tem sombra, diz Marcos Chiquitelli Neto, professor e coordenador da área de bem-estar animal do laboratório. 

Segundo Chiquitelli, o gado brasileiro passa mais de 100 dias embaixo do sol na média. “O boi brasileiro está precisando de mais sombra”, afirma.

Calor e o gado

Para compreender por que as áreas de sombra são tão importantes é preciso, primeiro, compreender como os animais experienciam o calor. “O animal é um ser senciente. Ele sente medo, ele sente calor, ele precisa condições mais adequadas de vida. Mas ele tem um mundo sensorial perceptivo próprio e que as pessoas precisam compreender para evitar antroporformizar demais e trazer desconforto para eles”, comenta Chiquitelli.

Os bois já tem uma temperatura interna quente, o que exige que o ambiente de conforto precisa ter temperaturas que variem entre 25°C e 35°C. Se colocados em uma temperatura além dessa e ainda embaixo da radiação solar, eles podem chegar num ponto de estresse térmico, explica o professor da Unesp e também pesquisador do INOBIO-MANERA, Alex Sandro Maia. 

“Os mecanismos de perda de calor não são mais sensíveis para dissipar calor, e o animal precisa perder mais calor por meio da respiração e do suor. Ele vai ter que aumentar a frequência respiratória muito mais alta”, fala Maia.

Leia também: Mais resistentes ao calor, bois têm recursos contra mudança climática

As raças têm respostas diferentes ao calor. Algumas, como o Nelore, são mais resistentes a temperaturas altas, até porque, explica Chiquitelli, elas vieram de espaços mais quentes do planeta. “O planejamento da criação é essencial. Quem vai criar precisa pensar na característica genética que funciona melhor na temperatura e clima da fazenda”, diz Chiquitelli.

Lugar demais ao sol

Além do desconforto momentâneo, o estresse térmico faz com que os bois comam menos, tomem mais água e produzam mais gás metano.  Maia indica que o calor afeta bastante no ganho de peso do animal. “Afeta em todos os sentidos, se ele está em estresse térmico, ele reduz a ingestão de alimentos, aumenta consumo de água, para perder o calor por sudação, ele perde líquido e precisa repor. Portanto, menor quantidade de comida. E vai produzir menos leite. Ou seja, ele vai produzir menos”, diz o professor.

Maia diz que já chegou a visitar locais de pasto em que a temperatura chegava a 47ºC no sol. “Se eu colocar sombreamento evito que ele ganhe radiação solar, melhorando o conforto térmico do boi. Estou melhorando o bem-estar, dando uma condição de vida melhor para ele”, comenta Maia.

Bem-estar e produção

Chiquitelli também bate na tecla da produção quando fala do bem-estar animal. “Questões como a sombra para o animal ou uma área mais adequada para pastar, um coçador bem colocado, podem parecer pequenas, mas fazem muita diferença no processo produtivo”, fala o coordenador do INOBIO-MANERA. E o mercado já percebeu que compreender os animais e suplementar o que falta para eles no campo traz diferença financeira.

“Os pecuaristas, os produtores começaram a perceber que fornecer esse tipo de recursos para os animais não só melhora a condição e a qualidade de vida do bicho, mas também retorna para o próprio produtor em termos de melhoria de desempenho do animal”, conta Chiquitelli. 

Segundo o professor da UNESP, quando o animal passa por muito estresse ou se cansa demais, ele consome glicogênio do músculo. “A carne não vai ter o PH adequado para se converter em alimento. O que significa que ela tem menos qualidade no final das contas”, comenta Chiquitelli.

Florestas completam o pasto

No caso da luz solar, duas formas podem ser utilizadas: painéis ou árvores. As árvores são uma forma efetiva de trazer sombras e conforto térmico para o gado. O sistema agroflorestal, que une pasto e floresta nativa, ganha ainda mais valor sob essa ótica. “Ele deixa o boi mais confortável, ele recicla mais carbono, mantém o solo mais úmido, reduz a incidência de vento nas áreas de pastagem, reduz a desidratação campineira e traz nutrientes do fundo do solo para o pasto”, lista Chiquitelli.

Da sombra à energia

Uma das inovações trazidas pelo laboratório é de trazer painéis solares para as áreas de pasto. É uma forma de, ao mesmo tempo, captar a radiação por meio de células fotovoltaicas, e trazer áreas de sombra fresca para os bois.

“Gera sombra e energia numa mesma área. A energia de uma fonte renovável reduz os impactos em termos de emissão de carbono e pode até mesmo gerar créditos de carbono para as fazendas. Dá para mitigar a emissão de metano”, fala Maia. O teste dos pesquisadores da Unesp foi de uma área de 40 metros quadrados de painéis que tornaram o laboratório quase que autossuficiente de energia.  As células duram por 25 anos e podem abastecer a fazenda ou parte da região.

“Não é um trabalho humanizado para o gado, já que o ser humano está longe de ser um ser bonzinho. Mas é o uso da racionalidade, da ciência e da informação para que a gente tenha uma interação cada vez melhor com os animais”, finaliza Chiquitelli.