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COP 28: Brasil pode liderar o debate sobre agropecuária sustentável

A COP 28 se aproxima e boa parte dos holofotes está voltada para o setor agropecuário brasileiro. Afinal, além da segurança alimentar, as boas práticas no agro são determinantes para mitigar emissões

Redação

em 21 de julho de 2023


A agropecuária sustentável é um dos pilares para conter os efeitos das mudanças climáticas, seja pelo fato de promover o uso consciente do solo e a preservação dos ecossistemas, seja por seu importante papel na segurança alimentar global, de acordo com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 2 (ODS 2), da ONU. Este, inclusive, será um dos temas de destaque da COP 28.

O que é a COP 28?

A COP 28 (28ª Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas), ocorrerá entre os dias 30 de novembro e 12 de dezembro, em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos.

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A Conferência reúne todos os países-membros da ONU para debater estratégias para conter o aquecimento global – cujo máximo aceitável, de acordo com o Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas (IPCC), é de 1,5º C até 2050, em relação às temperaturas registradas na era pré-industrial. A proposta discutir é os desafios impostos pelas mudanças do clima, e o setor agropecuário tem papel relevante neste momento de transição. 

A preocupação decorre do fato de que a produção agrícola e pecuária, via de regra, demanda grande quantidade de água e de energia e, em muitos casos, é responsável pela degradação do solo e emissões de gases de efeito estufa (GEE), especialmente o metano. 

Mas, no Brasil, o cenário é bem mais favorável e, justamente por isso, o país deve ficar em evidência na COP 28

Por que o agro brasileiro é um dos destaques da COP 28?

O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, o que é essencial para garantir a segurança alimentar. Mas, somente produzir não basta – é necessário investir em técnicas de produção que não agridam o meio ambiente e que contribuam para a preservação dos recursos naturais.

Neste caminho, o setor agro nacional vem adotando práticas cada vez mais sustentáveis. Um exemplo disso é o fato de que, nas últimas quatro décadas, a produção agrícola alcançou um aumento expressivo, sem que a área de plantio tenha crescido na mesma proporção, o que indica ganho de produtividade. 

Para ilustrar, segundo dados da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a área destinada à plantação de grãos, no Brasil, cresceu 81% no período citado, enquanto a produção apresentou aumento de 433%. Além disso, a terceira edição do Boletim Safra 2022/2023, divulgado pela Conab em dezembro, mostrou uma produção estimada de 312,2 milhões de toneladas de grãos, um crescimento de 15% em relação ao período 2021/2022. Ao mesmo tempo, na mesma base de comparação, a área de plantio, de 77 milhões de hectares, registrou um aumento de apenas 3,3%.

Integração-Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) (Foto: Reprodução/ Embrapa)

Na pecuária, o Brasil tem 150 milhões de hectares de pastos, que produzem carne e leite, sem necessidade de ampliação de espaço para aumentar a produção. Uma das soluções no segmento, desenvolvida pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), é a chamada Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF). De forma simples, a proposta prevê a neutralização das emissões de metano dos animais por meio da preservação da vegetação nativa ou de produções agrícolas. 

Hoje, segundo dados da Embrapa, 66% do território nacional está coberto com vegetação nativa. Além disso, as áreas plantadas ou destinadas à pecuária podem ser otimizadas, ganhando produtividade, por meio de técnicas como plantio direto, uso de bioinsumos e fixação biológica de nitrogênio, por exemplo.

Agropecuária sustentável e segurança alimentar em foco na COP 28

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Em função destes resultados, o setor de agropecuária nacional tem muito a ensinar ao mundo durante a COP 28

O tema (segurança alimentar x produção agropecuária) vem sendo discutido desde a COP 23 (2017), quando foi formado um grupo para reconhecer o potencial único da agricultura no combate às mudanças climáticas. Durante a COP 27, no ano passado, houve uma renovação da proposta deste grupo, cujo mandato, agora, vai até 2026. Ele passou a ser denominado Grupo de Trabalho Conjunto Sharm el-Sheikh sobre a implementação da ação climática na agricultura e na segurança alimentar. 

A segurança alimentar e a responsabilidade na adoção de boas práticas foi um dos assuntos discutidos no Pavilhão do Brasil, durante a COP 27. “O Brasil pode ser um modelo de liderança global para o sequestro de carbono. O solo é base para este objetivo e esperamos que a COP tenha decisões voltadas para esta questão”, disse, na ocasião, o cientista paquistanês Rattan Lal, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2007 e do Prêmio Mundial da Alimentação em 2020.

O tema também vem sendo discutido pelos países americanos, liderados pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA). Segundo Walter Oyhantcabal, assessor do IICA em Ação Climática e Sustentabilidade Agropecuária, diversas nações já enviaram suas propostas sobre como colocar em prática as iniciativas agropecuárias sustentáveis ao Centro Global de Inovação da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (CQNUMC).

Na visão de Lloyd Day, diretor geral adjunto do IICA, a agricultura é parte da solução. “A inovação no setor, sem dúvida, terá impacto no clima e na forma como produzimos”, destacou.

Conferência de Bonn também abordou sistemas alimentares

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Foto: UN Climate Change via Flickr

Realizada em junho deste ano (2023), na Alemanha, a Conferência sobre Mudança Climática de Bonn teve como objetivo iniciar as negociações para as decisões que serão tomadas pela Cúpula do Clima durante a COP 28. Um dos principais temas da agenda foi a elaboração de um balanço global de emissões de GEE – Global Stocktake (GST) –, que irá medir o que as nações efetivamente estão fazendo para reduzir suas emissões e qual a sua evolução em relação às metas estabelecidas.

Além disso, uma das discussões durante o evento abordou quais iniciativas devem ser adotadas, até 2026, para levar a agropecuária para um caminho de maior resiliência às mudanças climáticas. 

No entanto, as negociações em Bonn sobre sustentabilidade no agro e segurança alimentar não foram resolutivas, devido às discordâncias acerca da criação de um comitê para guiar este processo, além de divergências sobre como qualificar a agricultura de baixo carbono, como incluir os pequenos agricultores e questões de gênero. “Isso sugere que, na COP 28, a agenda de agricultura voltará com ênfase”, afirmou em artigo o advogado Rodrigo Lima, sócio-diretor da Agroicone. 

População mais vulnerável é a que mais sofre com mudanças climáticas

Além de serem mais afetadas pelos efeitos do aquecimento global (enchentes, seca ou outros eventos climáticos extremos), as populações carentes também sofrem com a insegurança alimentar. O tema, inclusive, é alvo de um dos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU, que deixa claro que o caminho para mitigar a fome passa pela agropecuária sustentável. 

A ODS 2, mais especificamente, estabelece que é preciso garantir o acesso a alimentos seguros, nutritivos e em quantidades suficientes, de forma a combater a fome e a desnutrição. Para tanto, a ONU prevê que o mundo duplique sua produtividade agrícola e, ao mesmo tempo, crie soluções para geração de renda para os pequenos produtores de alimentos. 

As melhores estratégias para colocar isso em prática passam pelo respeito aos recursos naturais, pelo bem-estar animal e por técnicas produtivas menos invasivas, que possibilitem maior produtividade. 

Várias tecnologias novas (e outras nem tanto) contribuem para isso: rastreabilidade da cadeia produtiva, para assegurar a origem dos alimentos, melhoria da alimentação dos animais e agricultura regenerativa, por exemplo. 

Outra questão importante é o controle de emissões de GEE, e especialmente de metano. O metano entérico da pecuária e responsável por 11,6% das emissões globais, e seu controle pode contribuir para que as metas de mitigação se tornem mais acessíveis. Além disso, já há estudos para a padronização das emissões oriundas da pecuária, que poderão, dentre outras iniciativas, instituir formas de recompensar os agricultores que apoiam a transição para a economia de baixo carbono. 

Saiba mais sobre Dubai, sede da COP 28

Os Emirados Árabes Unidos têm a infraestrutura necessária para um evento do porte da COP, tanto do ponto de vista de hotelaria quanto de mobilidade urbana. Mas, a decisão pelo local, anunciada pela Emirates News Agency (WAM) em 2021, levou vários outros fatores em consideração.

Agência Internacional de Energia Renovável (Foto: Reprodução/Buildings in the MENA)

Por exemplo, a Agência Internacional de Energia Renovável (Irena) está sediada nos Emirados Árabes Unidos, que também foi o primeiro país do Golfo a assinar e a ratificar o Acordo de Paris (compromisso internacional formalizado por mais de 190 nações, com o objetivo de minimizar as consequências do aquecimento global). Além disso, os Emirados também foram o primeiro país da região a se comprometer com uma redução de emissões em toda a sua economia.

No entanto, apesar dos aspectos positivos, os Emirados estão entre maiores produtores de petróleo do mundo – sendo que o combustível fóssil é responsável por um terço do Produto Interno Bruto (PIB). Cerca de 13% das exportações dos Emirados Árabes vêm diretamente desse mercado.

O que podemos esperar da COP 28?

Na COP 27, muita coisa ficou no papel, sem conclusão. Hoje, o mundo espera que os países mais desenvolvidos criem estratégias de financiamento para ajudar as nações em desenvolvimento no combate às emissões, já que essa é uma necessidade que vai além das fronteiras político-geográficas e atinge todo o planeta. 

Nesse cenário, várias iniciativas estão em discussão, como o estabelecimento de um mercado de carbono global, precificação do carbono, estímulo às fontes renováveis de energia, redução da dependência do petróleo, fim do desmatamento, entre outros. 

Como mencionado no início desta reportagem, o Brasil pode assumir o protagonismo no novo ciclo de ações para combater as mudanças climáticas. No país, as fontes renováveis (solar, eólica, hidrelétrica e biomassa, por exemplo), estão em expansão, e várias iniciativas mencionam a importância da “floresta em pé”, ou seja, produzir sem desmatar, aliando tecnologia e boas práticas. As chamadas “soluções baseadas na natureza” também encontram terreno fértil por aqui – só precisam ser colocadas em prática por mais agentes e ter alcance cada vez maior. Tudo isso será destaque durante a COP 28.

Importante destacar que, se medidas urgentes não forem adotadas, as mudanças climáticas podem custar cerca de US$ 54 trilhões até o final do século, segundo o IPCC, se a temperatura do planeta superar 1,5º C –  ou US$ 69 trilhões, caso superem 2°C. Isso sem contar os danos à vida, à saúde humana, às cidades e à biodiversidade.